Farmácia/Notícias da Indústria
Medicações Glutamatérgicas Mostram Potencial no Tratamento de Transtornos Obsessivo-Compulsivos e Correlatos
4 Jan, 2025 | 09:45hEste estudo conduzido por Coelho e colaboradores avaliou o papel dos fármacos glutamatérgicos no manejo de Transtornos Obsessivo-Compulsivos e Correlatos (OCRDs), um espectro de condições neuropsiquiátricas que inclui o Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC), o transtorno dismórfico corporal, o transtorno de escoriação (skin picking), a tricotilomania e o transtorno de acumulação. Esses transtornos podem comprometer seriamente a qualidade de vida, atingindo cerca de 2% a 3% da população.
O principal objetivo foi investigar se o uso desses fármacos, isolados ou em associação com inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRSs), poderia reduzir a sintomatologia de OCRDs em comparação ao placebo, analisando preferencialmente ensaios clínicos randomizados, duplo-cegos e controlados por placebo.
O desenho incluiu 27 estudos, totalizando 1369 indivíduos de diferentes faixas etárias e gêneros, todos com diagnóstico de algum OCRD, incluindo TOC. Variadas substâncias glutamatérgicas foram examinadas — como N-acetilcisteína (NAC), memantina, lamotrigina, riluzol e topiramato— comparadas ao placebo, tanto em monoterapia quanto em combinação a ISRSs. Dados de melhora clínica foram obtidos por escalas padronizadas (por exemplo, a Yale-Brown Obsessive Compulsive Scale (Y-BOCS), no caso do TOC) e sintetizados usando meta-análises de efeitos randômicos. Foram realizadas análises de subgrupos considerando o tipo de OCRD, população, refratariedade, estratégia de combinação, risco de viés e tipo de fármaco glutamatérgico.
Entre os principais resultados, observou-se que os fármacos glutamatérgicos estiveram associados a uma redução significativa nos sintomas de OCRDs em geral, com um efeito de grande magnitude (Cohen’s d = -0,80). Focando no TOC (n=23 estudos), houve redução média de 4,17 pontos nos escores da Y-BOCS, sugerindo benefício clínico. Apesar disso, a heterogeneidade elevada entre os estudos, possivelmente devido à diversidade de populações e desenhos de tratamento, e a possibilidade de viés de publicação demandam cautela na interpretação.
As conclusões apontam para o potencial promissor desses fármacos no tratamento de OCRDs, particularmente para pacientes com TOC. No entanto, a alta heterogeneidade e a possibilidade de viés de publicação exigem uma interpretação cautelosa dos resultados. A aplicação prática pode envolver avaliação individualizada de cada caso, considerando a possibilidade de complementar ou substituir tratamentos tradicionais, sempre com cuidado para potenciais efeitos adversos e com monitoramento próximo.
Do ponto de vista de implicações clínicas, a sobriedade no uso de medicações glutamatérgicas é recomendada, pois embora o estudo aponte benefícios, nem todos os pacientes podem se beneficiar igualmente. Novos protocolos de tratamento devem ser orientados por avaliações criteriosas de risco-benefício.
Pontos fortes do trabalho incluem a análise sistemática de vários subtipos de OCRDs e a adoção de escalas bem validadas, além de um desenho metodológico robusto na maior parte dos estudos. Entretanto, as limitações englobam o número reduzido de ensaios sobre alguns subtipos menos frequentes (como transtorno dismórfico corporal e de acumulação), a diversidade de populações e estratégias terapêuticas, o que pode comprometer a comparabilidade, e o fato de poucos estudos terem testado fármacos mais novos, como a cetamina.
Pesquisas futuras, com amostras maiores e metodologias mais robustas, são necessárias para confirmar esses achados, determinar a dosagem ideal, elucidar quais subgrupos de pacientes se beneficiam mais, testar doses e durações diferentes, avaliar subtipos de OCRDs menos estudados e possíveis novos fármacos glutamatérgicos ainda não incluídos nesta meta-análise.
Referência: Coelho DRA, Yang C, Suriaga A, et al. Glutamatergic Medications for Obsessive-Compulsive and Related Disorders: A Systematic Review and Meta-Analysis. JAMA Netw Open. 2025;8(1):e2452963. DOI: http://doi.org/10.1001/jamanetworkopen.2024.52963
Anticoagulação em Pacientes Hospitalizados com COVID-19: Dose Terapêutica Reduz Mortalidade em 28 Dias
6 Jan, 2025 | 12:00hEste amplo estudo multicêntrico avaliou a eficácia e a segurança de doses mais elevadas de anticoagulantes (principalmente heparinas) em comparação a doses mais baixas em pacientes hospitalizados por COVID-19. A motivação inicial veio da observação de altas taxas de trombose nessa população, associadas a quadros inflamatórios intensos. Assim, o objetivo principal foi comparar o efeito de diferentes doses de anticoagulantes (terapêutica, intermediária ou profilática) na mortalidade em 28 dias.
No total, foram incluídos 22 ensaios clínicos randomizados (principalmente com heparinas de baixo peso molecular ou heparina não fracionada), abrangendo mais de 11 mil pacientes. A maior parte comparou dose terapêutica versus dose profilática, enquanto alguns estudos adicionaram o braço intermediário. A avaliação metodológica foi feita com base no protocolo pré-registrado, e os resultados foram analisados de forma prospectiva, com dados detalhados fornecidos pelos próprios pesquisadores.
Os resultados indicaram que a anticoagulação em dose terapêutica, comparada à dose profilática, reduziu a mortalidade em 28 dias (OR 0.77; IC 95%, 0.64-0.93) em pacientes que, em sua maioria, recebiam pouco ou nenhum suporte de oxigênio no momento da randomização. Na comparação entre doses terapêuticas e intermediárias, observou-se um aumento não estatisticamente significativo na mortalidade no grupo da dose terapêutica (OR 1.21; IC 95% 0.93-1.58). Já a dose intermediária, quando comparada à profilática, não apresentou diferença significativa na mortalidade (OR 0.95; IC 95% 0.76-1.19). Em todas as comparações, observou-se que a dose mais elevada reduzia eventos tromboembólicos (por exemplo, OR 0.48 na comparação entre dose terapêutica e profilática), porém aumentava o risco de sangramentos maiores (OR 1.90 na mesma comparação). A influência do nível de suporte ventilatório (nenhum/baixo fluxo vs. suporte avançado) não se mostrou robusta para alterar substancialmente os achados, embora algumas análises tenham sido limitadas pelo número de pacientes em cada subgrupo.
Do ponto de vista clínico, a conclusão geral sugere possível benefício da anticoagulação em dose terapêutica para pacientes hospitalizados com COVID-19 que não estejam em ventilação mecânica invasiva ou em estados mais críticos de suporte respiratório. Contudo, a decisão deve ser ponderada pelo maior risco de sangramento. Segundo comentário editorial publicado na mesma revista (DOI: https://doi.org/10.7326/ANNALS-24-03244), ainda existem incertezas sobre a real aplicabilidade desses achados nos estágios mais atuais da pandemia, devido a mudanças nas variantes do vírus e ao surgimento de novas formas de tratamento.
Implicações para a Prática
Os resultados apoiam a adoção mais criteriosa de doses terapêuticas em pacientes não críticos, atentando ao risco de sangramento e ao perfil de gravidade. Para casos que envolvem ventilação mecânica invasiva ou estado crítico, não houve evidência robusta de benefício com doses terapêuticas em relação às intermediárias ou profiláticas.
Pontos Fortes e Limitações
Entre os pontos fortes, destacam-se a análise prospectiva e a inclusão de diversos ensaios, cobrindo diferentes cenários de COVID-19. Como limitação, as comparações envolveram populações com graus distintos de gravidade e, embora tenha havido uma padronização razoável, houve alguma variação nas doses utilizadas nos grupos controle. Além disso, a evolução da pandemia e o surgimento de novas variantes podem reduzir a validade externa para o momento atual.
Pesquisas Futuras
Investigações adicionais são necessárias para delimitar com mais precisão quais subgrupos (por exemplo, níveis de D-dímero, comorbidades ou perfis inflamatórios) podem se beneficiar mais da dose terapêutica, e qual o melhor momento de iniciar ou descontinuar o tratamento.
Referência: The WHO Rapid Evidence Appraisal for COVID-19 Therapies (REACT) Working Group. Anticoagulation Among Patients Hospitalized for COVID-19: A Systematic Review and Prospective Meta-analysis. Annals of Internal Medicine. DOI: https://doi.org/10.7326/ANNALS-24-00800
Editorial: Shappell CN, Anesi GL. Anticoagulation for COVID-19: Seeking Clarity and Finding Yet More Gray. Annals of Internal Medicine. DOI: https://doi.org/10.7326/ANNALS-24-03244
Meta-análise: Inibidores de fosfodiesterase de meia-vida longa podem reduzir os níveis de HbA1c em pacientes com diabetes
1 Jan, 2025 | 16:45hOs inibidores de fosfodiesterase 5 (PDE5) são amplamente conhecidos pelo seu uso no tratamento de disfunção erétil e hipertensão pulmonar, mas vêm ganhando atenção como potencial terapia combinada para indivíduos com diabetes tipo 2. O estudo em questão avaliou se existe diferença no impacto sobre o controle glicêmico (medido pelo HbA1c) entre inibidores de PDE5 de meia-vida longa (como tadalafil e PF-00489791) e de meia-vida curta (como sildenafil e avanafil).
A pesquisa surge em um cenário de crescente prevalência de diabetes no mundo, em que a busca por novas estratégias terapêuticas — inclusive reuso de medicamentos já aprovados — tem sido uma prioridade para aprimorar o controle metabólico. Nesse contexto, o objetivo central foi comparar o efeito dessas diferentes medicações sobre o HbA1c, que reflete a glicemia média dos últimos três meses e se correlaciona a complicações microvasculares e cardiovasculares.
Para isso, os autores realizaram uma revisão sistemática e meta-análise de ensaios clínicos randomizados que envolveram pacientes com HbA1c ≥ 6%. Foram incluídos somente estudos com duração mínima de quatro semanas de intervenção contínua com inibidores de PDE5, comparados a um grupo controle ou placebo. No total, 13 estudos preencheram esses critérios, avaliando tanto inibidores de meia-vida curta quanto de meia-vida longa.
Nos resultados, identificou-se que, de modo geral, os inibidores de PDE5 de meia-vida longa se associaram a reduções estatisticamente significativas nos níveis de HbA1c em comparação ao controle. Em sete estudos analisados, o grupo que recebeu tadalafil ou PF-00489791 apresentou redução média de cerca de −0,40% no HbA1c, efeito comparável aos obtidos por outros antidiabéticos em populações com níveis de HbA1c já razoavelmente controlados (entre 7% e 8%). Por outro lado, os inibidores de meia-vida curta (sildenafil e avanafil) não mostraram diminuição consistente no HbA1c, havendo até um leve aumento em subanálises de estudos mais longos (≥8 semanas) realizados exclusivamente com portadores de diabetes tipo 2 e HbA1c ≥ 6,5%.
Como conclusão, esses achados indicam que, na prática clínica, PDE5 de meia-vida longa parecem oferecer vantagem adicional para o controle glicêmico em comparação aos de meia-vida curta, possivelmente pela maior estabilidade farmacológica e adesão do paciente. Embora os resultados gerais sejam promissores, é preciso cautela na interpretação, visto que muitos estudos incluídos envolveram indivíduos com HbA1c próximo a 7%, e alguns apresentaram alta heterogeneidade. Ainda assim, o potencial de redução do HbA1c se mostra relevante, especialmente em grupos com diabetes menos controlado (por exemplo, HbA1c próximo a 10%).
Em termos de implicações clínicas, o uso de inibidores de PDE5 de meia-vida longa pode se tornar uma opção complementar para pacientes com diabetes tipo 2, contribuindo para o alcance de metas glicêmicas. Entretanto, recomenda-se prudência ao incorporar rotineiramente essas medicações, uma vez que não há estudos robustos com grandes amostras em populações altamente descompensadas.
Entre os pontos fortes do estudo estão a comparação direta entre dois tipos de inibidores de PDE5, a inclusão de diversos estudos controlados e a análise de subgrupos. Por outro lado, limitações incluem a heterogeneidade metodológica, o pequeno número de estudos com acompanhamento prolongado e o fato de alguns ensaios terem sido realizados em populações já com boa resposta glicêmica.
Pesquisas futuras devem ampliar a amostra de pacientes com níveis iniciais de HbA1c mais elevados, além de investigar de forma aprofundada os mecanismos farmacocinéticos que diferenciam os efeitos de meia-vida longa e curta na estabilidade glicêmica. Seria útil, também, avaliar desfechos clínicos de maior relevância (por exemplo, prevenção de complicações cardiovasculares e renais) para consolidar a utilidade desses agentes como parte de uma estratégia de manejo da diabetes.
Referência
Kim J, Zhao R, Kleinberg LR, Kim K. Effect of long and short half-life PDE5 inhibitors on HbA1c levels: a systematic review and meta-analysis. eClinicalMedicine. 2025;80:103035. DOI: http://doi.org/10.1016/j.eclinm.2024.103035
Estudo Randomizado: Clortalidona vs Hidroclorotiazida e Resultados Renais em Pacientes com Hipertensão
3 Jan, 2025 | 09:00hEste estudo, parte do Diuretic Comparison Project (DCP), investigou se a chlortalidona seria superior à hidroclorotiazida na prevenção de desfechos renais em pacientes de 65 anos ou mais com hipertensão. A comparação entre essas duas medicações é relevante pois ambas são frequentemente prescritas em situações de hipertensão, principalmente quando há preocupação com risco de complicações renais.
O objetivo central foi analisar se a chlortalidona reduziria a progressão da doença renal crônica (DRC), definida como duplicação do nível de creatinina sérica, taxa de filtração glomerular estimada (eGFR) menor que 15 mL/min ou necessidade de diálise, em comparação com a hidroclorotiazida. O estudo, de caráter pragmático, recrutou veteranos atendidos em unidades do Veterans Affairs (VA) nos Estados Unidos e randomizou pacientes já em uso de hidroclorotiazida (25 ou 50 mg/dia) para continuar com a mesma medicação ou mudar para chlortalidona (12,5 ou 25 mg/dia). Assim, a dose de 12,5 a 25 mg de chlortalidona foi considerada equivalente ao uso de 25 a 50 mg de hidroclorotiazida.
Dos 13 523 participantes, 12 265 apresentavam dados laboratoriais completos e foram acompanhados em média por 3,9 anos. Os resultados mostraram que a chlortalidona não foi superior à hidroclorotiazida em termos de proteção renal, tanto para a definição primária de progressão de DRC quanto em desfechos secundários, incluindo queda de 40% na eGFR, incidência de nova DRC e hospitalizações por lesão renal aguda. Em contrapartida, a chlortalidona esteve associada a maior risco de hipocalemia, embora a diferença absoluta tenha sido relativamente pequena.
Implicações para a Prática
Do ponto de vista clínico, os achados indicam que ambas as medicações podem ser usadas com confiança para o controle da hipertensão em adultos mais velhos, sem evidência de prejuízo adicional ao rim ao se optar por chlortalidona em vez de hidroclorotiazida. Porém, é fundamental acompanhar com atenção o risco aumentado de hipocalemia no grupo da chlortalidona, possivelmente ajustando doses ou associando suplementos de potássio quando necessário. Vale ressaltar que a comparação utilizou doses farmacologicamente equivalentes: 12,5 a 25 mg/dia de chlortalidona equivale a 25 a 50 mg/dia de hidroclorotiazida. Esse detalhe reforça a necessidade de se considerar equivalências de dose ao trocar uma medicação pela outra, bem como monitorar a resposta de cada paciente.
Entre os pontos fortes do estudo, destaca-se o desenho pragmático, que reflete melhor a prática clínica real. Já como limitações, a maioria dos pacientes já fazia uso de hidroclorotiazida antes, o que pode ter influenciado a tolerabilidade relatada. Além disso, os exames laboratoriais de acompanhamento seguiram a rotina clínica habitual, e não um protocolo padronizado.
Pesquisas Futuras
Futuros trabalhos poderiam explorar o uso de chlortalidona em pacientes com DRC mais avançada, bem como a adoção de estratégias de combinação com diuréticos poupadores de potássio. Outros subgrupos, como indivíduos com hiperaldosteronismo ou diabetes mais grave, também merecem investigação para delimitar melhor a segurança e efetividade de cada diurético.
Referência
Ishani A, Hau C, Raju S, et al. “Chlorthalidone vs Hydrochlorothiazide and Kidney Outcomes in Patients With Hypertension: A Secondary Analysis of a Randomized Clinical Trial.” JAMA Netw Open. 2024;7(12):e2449576. DOI: http://doi.org/10.1001/jamanetworkopen.2024.49576
Estudo Randomizado: Interrupção de Terapia Modificadora da Doença em Esclerose Múltipla Estável Está Associada a Recorrência de Atividade Inflamatória
3 Jan, 2025 | 08:30hEste estudo multicêntrico, randomizado e com avaliadores mascarados (DOT-MS) investigou se a interrupção de terapias modificadoras da doença (TMD) de primeira linha em pacientes com esclerose múltipla (EM) estáveis há mais de 5 anos seria segura. A motivação decorre do uso prolongado de TMD, com custos, possíveis efeitos adversos e a possibilidade de alguns pacientes não precisarem de medicação contínua após longo período de estabilidade clínica e radiológica.
O objetivo principal foi comparar a ocorrência de atividade inflamatória significativa (surtos clínicos ou múltiplas novas lesões em ressonância magnética do encéfalo) em pacientes que interromperam a TMD em comparação àqueles que a continuaram.
O estudo incluiu adultos (≥18 anos) com EM recorrente-remitente ou secundariamente progressiva, sem surtos clínicos e sem atividade expressiva em ressonância magnética (apenas até uma nova lesão T2 em pelo menos 5 anos, ou até três novas lesões em 10 anos) enquanto recebiam TMD de primeira linha. Os participantes foram randomizados (1:1) para continuar ou descontinuar a TMD e foram acompanhados por exames clínicos e de imagem com contraste nos meses 3, 6, 12, 18 e 24.
Os resultados mostraram que o estudo foi interrompido precocemente devido à constatação de que 17,8% dos pacientes no grupo de descontinuação apresentaram recorrência de atividade inflamatória significativa, contra 0% no grupo que manteve o tratamento. O tempo mediano até a atividade de doença foi de 12 meses, sendo que a maioria dos episódios foi detectada radiologicamente, com poucos surtos clínicos. Embora muitos pacientes sem evidências de reativação tenham se mantido estáveis após interromper a TMD, o risco de recorrência foi considerável, sobretudo entre os mais jovens. Os testes laboratoriais mostraram elevação de níveis de neurofilamento de cadeia leve (NfL) em participantes que apresentaram atividade inflamatória, mas não foi possível prever quais indivíduos teriam reativação unicamente por esses biomarcadores.
Conclui-se que a interrupção da TMD pode levar a reaparecimento de inflamação em aproximadamente 20% dos casos, mesmo em pacientes estáveis por mais de 5 anos. É fundamental o monitoramento estreito (clínico e radiológico) dos indivíduos que optarem por descontinuar a terapia, com possibilidade de retorno imediato à medicação em caso de reativação da doença.
Na prática, esses achados ressaltam que a suspensão de TMD em adultos com EM pode ser considerada de forma individualizada, principalmente em faixas etárias mais avançadas e após longos períodos de estabilidade. Contudo, deve-se manter vigilância para identificar possíveis recidivas precoces.
Quanto aos pontos fortes, trata-se de um ensaio clínico randomizado com monitoramento frequente de ressonância magnética e dados de biomarcadores séricos, trazendo alta qualidade de evidência para a decisão de descontinuação de TMD em esclerose múltipla. Como limitações, o estudo foi interrompido antes de atingir o tamanho amostral completo, restringindo análises de subgrupos e imposibilitando testar formalmente a não inferioridade da descontinuação; também não foram realizadas rotineiramente imagens de medula espinhal.
Para pesquisas futuras, será importante avaliar desfechos de mais longo prazo, incluindo incapacidade acumulada, além de possíveis perfis clínico-biomarcadores que predisponham maior risco de recorrência. Um seguimento observacional em curso acompanhará a evolução dos participantes, mesmo após o reinício do tratamento em alguns casos.
Referência:
Coerver EME, et al. Discontinuation of First-Line Disease-Modifying Therapy in Patients With Stable Multiple Sclerosis: The DOT-MS Randomized Clinical Trial. JAMA Neurology. Publicado em 9 de dezembro de 2024. DOI: http://doi.org/10.1001/jamaneurol.2024.4164
Ensaio Clínico de Fase 2: Terapia Baseada em CRISPR Reduz Crises de Angioedema Hereditário
28 Dez, 2024 | 14:22hO estudo “Terapia Baseada em CRISPR para Angioedema Hereditário” investigou o uso de uma nova estratégia de edição gênica, denominada NTLA-2002, em pacientes com angioedema hereditário. O angioedema hereditário é uma condição genética rara, caracterizada por episódios de inchaço graves e imprevisíveis, muitas vezes com risco de obstrução de vias aéreas. Pesquisas anteriores já apontavam para o potencial de direcionar a via da calicreína plasmática como forma de prevenir esses ataques, mas as terapias disponíveis, embora efetivas, geralmente exigem uso contínuo.
O objetivo central deste ensaio clínico de fase 1–2 foi avaliar se a administração de dose única de NTLA-2002 – uma abordagem baseada em CRISPR-Cas9 para inativar o gene KLKB1 (responsável pela produção de calicreína plasmática) – poderia reduzir a frequência de ataques de angioedema, assim como verificar a segurança e a durabilidade do efeito ao longo do tempo. Na fase 2, descrita neste artigo, 27 adultos com angioedema hereditário foram randomizados para receber dose única de 25 mg ou 50 mg de NTLA-2002, ou placebo, em um desenho 2:2:1. A maior parte dos participantes tinha histórico frequente de ataques, e não estavam utilizando profilaxia de longo prazo durante o período principal de observação (16 semanas).
Os métodos envolveram o monitoramento dos ataques por meio de um diário eletrônico e medições seriadas de parâmetros laboratoriais. A principal análise avaliou o número médio mensal de ataques do início até a semana 16, comparando os grupos de dose baixa (25 mg) e alta (50 mg) de NTLA-2002 com o placebo. Também foram observadas variáveis de segurança, farmacodinâmica (mudança nos níveis de calicreína plasmática) e qualidade de vida.
Os resultados indicaram que, dos 21 pacientes que receberam NTLA-2002 (10 com 25 mg e 11 com 50 mg), ocorreu redução substancial na frequência de ataques em comparação ao placebo (redução média de 75% e 77%, respectivamente). Aproximadamente 40% dos participantes no grupo de 25 mg e 73% no grupo de 50 mg ficaram completamente livres de ataques nas 16 semanas iniciais, enquanto ninguém no grupo placebo obteve esse resultado. Em termos de segurança, os efeitos adversos mais comuns foram leves a moderados (cefaleia, fadiga, nasofaringite), e não houve eventos adversos graves relacionados ao produto ativo. Um destaque adicional foi a redução robusta e sustentada nos níveis de calicreína plasmática, sugerindo que uma única dose de NTLA-2002 pode ter efeito duradouro.
As conclusões apontam para o potencial de uma “cura funcional” do angioedema hereditário, pois vários participantes seguiram sem retomar profilaxia após o término do período principal. Entretanto, mantém-se a necessidade de cautela e observação de longo prazo, sobretudo considerando-se que novas terapias gênicas podem apresentar custo elevado e efeitos ainda não totalmente conhecidos em populações maiores.
As implicações para a prática clínica são promissoras, pois o NTLA-2002 pode oferecer maior comodidade ao eliminar a necessidade de tratamentos contínuos. Contudo, ainda é essencial ponderar os riscos e benefícios de uma intervenção gênica irreversível, além de custos e disponibilidade. Entre os pontos fortes do estudo, destacam-se o desenho controlado e a persistência do efeito terapêutico após dose única. Já as limitações incluem um número pequeno de participantes, curto período de observação controlada (16 semanas) e ausência de avaliação em ampla diversidade populacional.
Pesquisas futuras devem centrar-se em um estudo de fase 3, de maior escala e maior duração, a fim de confirmar eficácia, segurança e impacto de longo prazo na qualidade de vida. Além disso, estudos adicionais poderão esclarecer se doses ajustadas ou abordagens combinadas podem beneficiar pacientes que apresentem resposta parcial à terapia, bem como investigar potenciais marcadores que possam indicar melhor resposta individualizada.
Referência:
Cohn DM, Gurugama P, Magerl M, Katelaris CH, Launay D, Bouillet L, Petersen RS, et al. “CRISPR-Based Therapy for Hereditary Angioedema.” New England Journal of Medicine. Publicado em 24 de outubro de 2024. DOI: http://doi.org/10.1056/NEJMoa2405734
- Editorial:
Musunuru K. “A Milestone for Gene-Editing Therapies.” New England Journal of Medicine. Publicado em 24 de outubro de 2024. DOI: http://doi.org/10.1056/NEJMe2412176
Resultados Preliminares Sugerem Benefícios da Adição de Pembrolizumabe à Radioterapia e Cirurgia em Sarcomas de Extremidade em Estágio III
2 Jan, 2025 | 09:00hEste estudo analisou pacientes com sarcomas de partes moles em estágio III, de alto ou intermediário grau (sarcoma pleomórfico indiferenciado ou lipossarcoma pleomórfico/dediferenciado) localizados nas extremidades ou na cintura de membros. Sabendo-se que cerca de metade dos pacientes pode desenvolver metástases, pesquisadores investigaram se a inclusão do pembrolizumabe ao tratamento padrão (radioterapia pré-operatória e cirurgia) traria melhora na sobrevida livre de doença.
O objetivo principal foi avaliar a sobrevida livre de doença em 143 pacientes recrutados em 20 centros acadêmicos na Austrália, Canadá, Itália e Estados Unidos. Os participantes foram divididos em dois grupos: grupo controle, recebendo apenas a radioterapia pré-operatória seguida de cirurgia; e grupo experimental, submetido à mesma radioterapia associada ao pembrolizumabe (antes, durante e após a irradiação), além de ciclos adjuvantes após a cirurgia.
O desenho do estudo foi randomizado e aberto, incluindo adultos e adolescentes a partir de 12 anos com tumores maiores que 5 cm, sem indicação de quimioterapia no protocolo. A terapia experimental combinou pembrolizumabe (200 mg a cada 3 semanas) à radioterapia de 50 Gy em 25 frações, seguida por cirurgia. O acompanhamento mediano foi de 43 meses.
Os resultados mostraram que o grupo que recebeu pembrolizumabe obteve maior sobrevida livre de doença em 2 anos (67% vs 52%). Porém, eventos adversos de grau 3 ou superior foram mais frequentes entre os que receberam a medicação (56% no grupo experimental versus 31% no grupo controle), reforçando a necessidade de avaliar cuidadosamente toxicidades e condições clínicas de cada paciente.
Assim, a associação de pembrolizumabe à radioterapia e cirurgia demonstrou resultados promissores para sarcomas localizados de alto risco, servindo como uma possível opção terapêutica para determinados casos. Contudo, a prudência se faz necessária em relação aos riscos de toxicidade e à falta de dados de seguimento mais longo, sobretudo quanto à sobrevida global.
Na prática clínica, o uso de imunoterapia pode representar uma alternativa ou complemento à quimioterapia convencional, principalmente levando em consideração o perfil de efeitos colaterais. Ainda assim, a indicação deve ser discutida caso a caso, considerando-se a escassez de dados robustos sobre efeitos a longo prazo e a heterogeneidade dos subtipos de sarcoma.
Entre os pontos fortes do estudo destacam-se a randomização, a avaliação bem definida da sobrevida livre de doença e a inclusão de diversos centros. Já como limitações, o tamanho reduzido da amostra (por se tratar de doença rara) e a impossibilidade de conclusões definitivas em subgrupos específicos, como os tipos histológicos menos representados, devem ser levados em conta.
Como perspectivas futuras, recomenda-se avaliar a associação de pembrolizumabe a diferentes estratégias (por exemplo, outros esquemas de dose de radioterapia ou combinada a quimioterápicos). Estudos maiores e com maior tempo de acompanhamento poderão confirmar, ou não, se as tendências observadas se traduzem em benefício duradouro para mais pacientes.
Referência
Mowery YM, Ballman KV, Hong AM, Schuetze SM, Wagner AJ, Monga V, et al. Safety and efficacy of pembrolizumab, radiation therapy, and surgery versus radiation therapy and surgery for stage III soft tissue sarcoma of the extremity (SU2C-SARC032): an open-label, randomised clinical trial. The Lancet. 2024;404(10467). DOI: http://doi.org/10.1016/S0140-6736(24)01812-9
Estudo Randomizado: Daratumumabe reduz a progressão para mieloma múltiplo em pacientes com mieloma múltiplo indolente de alto risco
26 Dez, 2024 | 12:56hEsse estudo surgiu diante da necessidade de encontrar uma opção terapêutica que pudesse retardar ou impedir o avanço do mieloma indolente de alto risco – uma condição em que os pacientes ainda não apresentam sintomas, mas exibem características laboratoriais que os predispõem a desenvolver mieloma múltiplo ativo em curto prazo. O objetivo central da pesquisa foi avaliar se a monoterapia subcutânea com daratumumabe prolongaria o tempo até a progressão da doença ou morte, em comparação à vigilância ativa, considerada padrão de cuidado atual para esses casos.
Para tanto, foi conduzido um ensaio clínico de fase 3 (AQUILA) envolvendo 390 participantes com mieloma múltiplo indolente de alto risco. Eles foram aleatoriamente designados para receber daratumumabe ou apenas acompanhamento sem intervenção específica. O tratamento (daratumumabe) foi programado para até 36 meses, totalizando 39 ciclos, ou até a confirmação de progressão para mieloma ativo. Os resultados demonstraram que o grupo tratado com daratumumabe apresentou redução significativa do risco de progressão para mieloma múltiplo ativo ou morte, em comparação ao grupo em monitoramento (hazard ratio de 0,49). Em cinco anos, a sobrevida livre de progressão foi de 63,1% no grupo daratumumabe, contra 40,8% no grupo monitorado ativamente, indicando clara vantagem em retardar o surgimento de lesões orgânicas que caracterizam o mieloma sintomático. Além disso, apenas 7,7% dos pacientes no braço daratumumabe vieram a óbito, em comparação a 13,3% no grupo de vigilância. A sobrevida global em cinco anos foi de 93,0% e 86,9%, respectivamente. Em termos de segurança, o efeito adverso de grau 3 ou 4 mais observado foi hipertensão, mas em proporções bastante semelhantes entre os grupos (5,7% vs. 4,6%), sem evidência de novos problemas de toxicidade.
Os achados sugerem que iniciar daratumumabe precocemente pode interferir de modo benéfico na história natural do mieloma múltiplo indolente de alto risco, possivelmente impedindo ou adiando complicações graves. Em relação à prática clínica, esses resultados podem estimular a adoção de um regime de tratamento antecipado para pacientes com alto risco de progressão, embora ainda sejam necessárias cautela e avaliação criteriosa das características individuais de cada paciente.
Entre os pontos fortes do estudo está o longo acompanhamento, que reforça a validade dos dados de eficácia e segurança. Já as limitações incluem a sub-representação de algumas populações e o fato de as definições de mieloma indolente de alto risco terem evoluído ao longo do tempo, podendo afetar as comparações com critérios mais recentes.
Futuras pesquisas podem investigar esquemas combinados com daratumumabe ou avaliar o uso de regimes menos intensivos, a fim de balancear eficácia e possíveis efeitos adversos a longo prazo. Também são relevantes estudos que confirmem a utilidade de estratégias de rastreamento para detecção precoce do mieloma indolente.
Referência
Dimopoulos MA, Voorhees PM, Schjesvold F, Cohen YC, Hungria V, Sandhu I, Lindsay J, +29, for the AQUILA Investigators. Daratumumab or Active Monitoring for High-Risk Smoldering Multiple Myeloma. New England Journal of Medicine. Publicado em 9 de dezembro de 2024. DOI: http://doi.org/10.1056/NEJMoa2409029
Melhorias Precoces com Atogepant Versus Placebo na Prevenção da Enxaqueca: Resultados de Três Ensaios Clínicos Randomizados
26 Dez, 2024 | 09:33hEste estudo descreve dados combinados de três ensaios clínicos de fase 3 (ADVANCE, ELEVATE e PROGRESS) que avaliaram o uso de atogepant 60 mg uma vez ao dia para prevenção de enxaqueca, tanto do tipo episódica quanto crônica. O objetivo central foi verificar se o atogepant, já em suas primeiras semanas de uso, reduziria o número de dias com enxaqueca e melhoraria a capacidade funcional dos pacientes. É importante destacar que o comparador em todos os ensaios foi placebo, sem comparação com outras intervenções ativas consagradas, o que limita algumas conclusões sobre superioridade em relação a medicamentos preventivos já estabelecidos.
Os métodos incluíram o recrutamento de adultos de 18 a 80 anos, com histórico de pelo menos um ano de enxaqueca. Nos estudos ADVANCE e ELEVATE, os participantes tinham enxaqueca episódica (4–14 dias de enxaqueca por mês); no ELEVATE em particular, era exigida falha prévia de 2 a 4 classes de preventivos orais convencionais. Já no PROGRESS, incluíram-se indivíduos com enxaqueca crônica (≥15 dias de cefaleia ao mês, dos quais ≥8 eram dias de enxaqueca). Os participantes foram randomizados para receber atogepant (60 mg/dia) ou placebo ao longo de 12 semanas, acompanhando-se também as primeiros 4 semanas de tratamento, foco desta análise.
Os resultados mostraram que, desde o primeiro dia, houve menor proporção de pacientes com enxaqueca no grupo atogepant em comparação ao placebo. Adicionalmente, observou-se redução significativa do número de dias de enxaqueca semanal e mensal nas primeiras quatro semanas em quem recebeu a medicação ativa. Houve ainda melhora precoce na função relatada pelos pacientes: aqueles em uso de atogepant apresentaram menos dificuldade para realizar tarefas diárias e menor prejuízo físico associado à enxaqueca.
Concluiu-se que o atogepant 60 mg/dia, ao longo das primeiras quatro semanas, demonstrou vantagens significativas sobre o placebo, tanto na redução de dias de enxaqueca quanto na melhora de qualidade de vida. Porém, devido à comparação exclusiva com placebo, não se pode afirmar como o atogepant se compara a outros tratamentos preventivos consagrados.
Nas implicações para a prática, os resultados sugerem que o atogepant pode ser uma opção preventiva promissora para casos de enxaqueca episódica ou crônica, sobretudo pela rapidez na redução de crises e melhora de funcionalidade. Entretanto, o uso clínico deve ser cauteloso, reconhecendo que faltam comparações diretas com outros medicamentos e ainda se necessita de tempo maior de observação para avaliar segurança e aderência em longo prazo.
Entre os pontos fortes, destaca-se o desenho robusto de ensaios randomizados e duplo-cegos em amostras multicêntricas, reforçando a validade interna dos achados. As limitações incluem a ausência de comparador ativo e a predominância de participantes brancos e mulheres, o que pode reduzir a generalização dos resultados a populações mais diversas.
Para pesquisas futuras, recomenda-se investigar a eficácia do atogepant em comparação direta com outras terapias de primeira linha, além de estudar desfechos de longo prazo e possíveis benefícios adicionais em populações mais heterogêneas.
Referência: Lipton RB, Gandhi P, Tassorelli C, Reuter U, Harriott AM, Holle-Lee D, et al. Early Improvements With Atogepant for the Preventive Treatment of Migraine: Results From 3 Randomized Phase 3 Trials. Neurology. 2025;104(2). DOI: https://doi.org/10.1212/WNL.0000000000210212
Meta-análise: Eventos adversos associados ao uso de canabinoides em adultos de meia-idade e idosos
25 Dez, 2024 | 09:35hEste estudo teve como foco avaliar a segurança de medicamentos à base de canabinoides (CBMs) em pessoas com 50 anos ou mais, considerando tanto preparações que contêm apenas delta-9-tetraidrocanabinol (THC) quanto aquelas em combinação com canabidiol (CBD). A motivação decorre do crescimento expressivo no uso de CBMs em uma população que, por natureza, é mais suscetível a eventos adversos, especialmente quando se considera a presença de múltiplas comorbidades.
O objetivo central foi quantificar, por meio de uma meta-análise de ensaios clínicos randomizados (ECRs), a diferença na taxa de incidência (IRD) de diversos eventos adversos em adultos de 50 anos ou mais tratados com CBMs, comparados a controles (placebo ou outra intervenção). Também se buscou avaliar se há relação dose-dependente entre THC, CBD e o risco de efeitos colaterais, considerando as doses semanais das substâncias.
A metodologia envolveu revisão sistemática de bases de dados (MEDLINE, PubMed, EMBASE, CINAHL, PsychInfo, Cochrane Library e ClinicalTrials.gov), de 1º de janeiro de 1990 a 12 de junho de 2023. Foram incluídos ECRs com uso medicinal de THC isolado ou em combinação com CBD, em qualquer dose, via de administração e tempo de tratamento, desde que a média de idade dos participantes fosse ≥50 anos. Os pesquisadores extraíram dados sobre os eventos adversos (gerais, graves, retiradas, óbitos), classificando-os em diferentes categorias (ex.: gastrintestinais, neurológicos, psiquiátricos) e empregando modelos de efeitos aleatórios para combinar os resultados.
Os resultados, provenientes de 58 ECRs, mostraram que preparações contendo THC aumentaram a taxa de incidência de tontura, sonolência, alterações na mobilidade e coordenação, e sintomas de percepção/pensamento dissociativo, em comparação aos controles. Esses efeitos se mostraram relacionados à dose semanal de THC. Já as formulações contendo THC:CBD também elevaram as taxas de enjoo, vômitos, fadiga, tontura, sonolência e desorientação, ainda que algumas reações possivelmente sejam atenuadas pelo CBD. Os estudos, contudo, não demonstraram incremento significativo em eventos adversos graves ou óbitos atribuíveis ao uso de CBMs, mesmo em doses mais altas.
Conclui-se que os CBMs que contêm THC exigem maior cautela em adultos de meia-idade e idosos, sobretudo devido a efeitos adversos de natureza neurológica e psiquiátrica, cuja frequência aumenta conforme a dose. Ainda assim, em geral, não se constatou aumento de eventos graves e óbitos. Os achados reforçam que benefícios e riscos devem ser avaliados caso a caso na prática clínica, especialmente onde se consideram quedas e acidentes, já que tontura e alterações de equilíbrio podem ser mais perigosas para esse grupo.
Implicações para a Prática
- Médicos e prescritores devem estar atentos a potenciais eventos adversos de CBMs, especialmente os ligados ao THC, e proceder a monitoramento mais próximo de pacientes com idade ≥50 anos.
- Ajustes de dose, escalonamento gradual e associação com CBD podem minimizar algumas reações desagradáveis.
- O perfil de segurança global não sugere aumento claro em eventos adversos graves; mesmo assim, a cautela é fundamental, dadas as possíveis interações farmacológicas em idosos polimedicados.
Pontos Fortes e Limitações
- Ponto forte: Trata-se de meta-análise robusta que abrange uma variedade de indicações clínicas em estudos com alta heterogeneidade de participantes.
- Limitação: Alguns ECRs apresentaram dados incompletos ou vieses metodológicos, dificultando conclusões definitivas sobre certos desfechos específicos. Além disso, a curta duração de muitos ensaios pode subestimar eventos adversos de longo prazo.
Pesquisas Futuras
- Estudos focados em populações mais idosas (≥65 ou 70 anos) e com maior duração podem esclarecer melhor a segurança de CBMs a longo prazo.
- Investigação de interações entre CBMs e outras classes de medicamentos usados comumente em idosos é altamente relevante para a prática clínica.
Referência
Velayudhan L, Pisani S, Dugonjic M, McGoohan K, Bhattacharyya S. Adverse events caused by cannabinoids in middle aged and older adults for all indications: a meta-analysis of incidence rate difference. Age and Ageing. 2024;53(11):afae261. DOI: http://doi.org/10.1093/ageing/afae261