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Medicina de Família

Medicações Glutamatérgicas Mostram Potencial no Tratamento de Transtornos Obsessivo-Compulsivos e Correlatos

4 Jan, 2025 | 09:45h

Este estudo conduzido por Coelho e colaboradores avaliou o papel dos fármacos glutamatérgicos no manejo de Transtornos Obsessivo-Compulsivos e Correlatos (OCRDs), um espectro de condições neuropsiquiátricas que inclui o Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC), o transtorno dismórfico corporal, o transtorno de escoriação (skin picking), a tricotilomania e o transtorno de acumulação. Esses transtornos podem comprometer seriamente a qualidade de vida, atingindo cerca de 2% a 3% da população.

O principal objetivo foi investigar se o uso desses fármacos, isolados ou em associação com inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRSs), poderia reduzir a sintomatologia de OCRDs em comparação ao placebo, analisando preferencialmente ensaios clínicos randomizados, duplo-cegos e controlados por placebo.

O desenho incluiu 27 estudos, totalizando 1369 indivíduos de diferentes faixas etárias e gêneros, todos com diagnóstico de algum OCRD, incluindo TOC. Variadas substâncias glutamatérgicas foram examinadas — como N-acetilcisteína (NAC), memantina, lamotrigina, riluzol e topiramato— comparadas ao placebo, tanto em monoterapia quanto em combinação a ISRSs. Dados de melhora clínica foram obtidos por escalas padronizadas (por exemplo, a Yale-Brown Obsessive Compulsive Scale (Y-BOCS), no caso do TOC) e sintetizados usando meta-análises de efeitos randômicos. Foram realizadas análises de subgrupos considerando o tipo de OCRD, população, refratariedade, estratégia de combinação, risco de viés e tipo de fármaco glutamatérgico.

Entre os principais resultados, observou-se que os fármacos glutamatérgicos estiveram associados a uma redução significativa nos sintomas de OCRDs em geral, com um efeito de grande magnitude (Cohen’s d = -0,80). Focando no TOC (n=23 estudos), houve redução média de 4,17 pontos nos escores da Y-BOCS, sugerindo benefício clínico. Apesar disso, a heterogeneidade elevada entre os estudos, possivelmente devido à diversidade de populações e desenhos de tratamento, e a possibilidade de viés de publicação demandam cautela na interpretação.

As conclusões apontam para o potencial promissor desses fármacos no tratamento de OCRDs, particularmente para pacientes com TOC. No entanto, a alta heterogeneidade e a possibilidade de viés de publicação exigem uma interpretação cautelosa dos resultados. A aplicação prática pode envolver avaliação individualizada de cada caso, considerando a possibilidade de complementar ou substituir tratamentos tradicionais, sempre com cuidado para potenciais efeitos adversos e com monitoramento próximo.

Do ponto de vista de implicações clínicas, a sobriedade no uso de medicações glutamatérgicas é recomendada, pois embora o estudo aponte benefícios, nem todos os pacientes podem se beneficiar igualmente. Novos protocolos de tratamento devem ser orientados por avaliações criteriosas de risco-benefício.

Pontos fortes do trabalho incluem a análise sistemática de vários subtipos de OCRDs e a adoção de escalas bem validadas, além de um desenho metodológico robusto na maior parte dos estudos. Entretanto, as limitações englobam o número reduzido de ensaios sobre alguns subtipos menos frequentes (como transtorno dismórfico corporal e de acumulação), a diversidade de populações e estratégias terapêuticas, o que pode comprometer a comparabilidade, e o fato de poucos estudos terem testado fármacos mais novos, como a cetamina.

Pesquisas futuras, com amostras maiores e metodologias mais robustas, são necessárias para confirmar esses achados, determinar a dosagem ideal, elucidar quais subgrupos de pacientes se beneficiam mais, testar doses e durações diferentes, avaliar subtipos de OCRDs menos estudados e possíveis novos fármacos glutamatérgicos ainda não incluídos nesta meta-análise.

Referência: Coelho DRA, Yang C, Suriaga A, et al. Glutamatergic Medications for Obsessive-Compulsive and Related Disorders: A Systematic Review and Meta-Analysis. JAMA Netw Open. 2025;8(1):e2452963. DOI: http://doi.org/10.1001/jamanetworkopen.2024.52963


Diagnóstico e Manejo da Esofagite Eosinofílica: Diretriz Clínica do ACG

6 Jan, 2025 | 13:00h

Introdução: A esofagite eosinofílica (EoE) é uma doença inflamatória crônica do esôfago, mediada por processo imunológico e desencadeada na maioria das vezes por alérgenos alimentares e aeroalérgenos. Caracteriza-se por sintomas de disfunção esofágica – como disfagia e impactação alimentar – associados a um infiltrado eosinofílico significativo (≥15 eosinófilos por campo de grande aumento) na biópsia esofágica. Esta diretriz atualizada do American College of Gastroenterology (ACG) aborda aspectos de diagnóstico, tratamento, monitoramento e recomendações específicas para populações pediátricas e adultas, adotando a metodologia GRADE para embasar as recomendações.

Principais Recomendações:

Diagnóstico e Avaliação Inicial:

  • Confirmar EoE pela presença de sintomas de disfunção esofágica (por exemplo, disfagia, recusa alimentar em crianças) e contagem de pelo menos 15 eosinófilos por campo de grande aumento na biópsia.
  • Excluir outras causas de eosinofilia esofágica, como doenças infecciosas ou gastroesofágicas não relacionadas.
  • Empregar sistema de pontuação endoscópica (EREFS) para avaliar edema, anéis, exsudatos, sulcos, constrições e estreitamentos. Obter pelo menos 6 biópsias esofágicas de diferentes níveis (proximal/distal) para maximizar a sensibilidade diagnóstica. Utilizar o sistema EREFS em todas as endoscopias para EoE.

Inibidores de Bomba de Prótons (IBPs):

  • São opção terapêutica de primeira linha para EoE. Doses altas, correspondentes ao dobro da dose usual para refluxo (p. ex. omeprazol 40 mg duas vezes ao dia), podem ser utilizadas, em especial em esquemas de dose diária ou dividida, a depender da adesão do paciente. Os IBPs podem atuar por mecanismos que vão além da supressão ácida.
  • Manter vigilância de potenciais efeitos adversos, embora seu perfil de segurança seja favorável.

Corticosteroides Tópicos (CTs):

  • Recomendam-se preparações de budesonida (formulações aprovadas para EoE, como suspensões orais viscosas ou comprimidos orodispersíveis) ou fluticasona (em aerossol ou formulações para deglutição) para reduzir inflamação esofágica.
  • Ambas demonstram boa eficácia histológica e endoscópica, além de melhorar sintomas de disfagia em crianças e adultos.
  • O efeito adverso mais comum é candidíase orofaríngea ou esofágica, geralmente assintomática e controlável.

Dietas de Eliminação (FEDs):

  • Dietas empíricas, como a dieta de exclusão de 1 a 6 alimentos, podem induzir remissão em cerca de 50-60% (1 alimento – leite de vaca), 40-50% (4 alimentos) e 50-70% (6 alimentos) dos casos, sendo mais restritivas (6 alimentos) geralmente mais eficazes, porém menos práticas. A dieta de exclusão de 1 alimento (leite de vaca) pode ser considerada como opção terapêutica inicial, apesar de menos estudada que as demais.
  • A reintrodução gradual dos alimentos é fundamental para identificar o(s) gatilho(s). O acompanhamento com nutricionista é fortemente recomendado para monitorar o estado nutricional, especialmente em crianças.

Biológicos:

  • Dupilumabe (anti-IL-4Rα) está aprovado para pacientes ≥12 anos e também para crianças de 1 a 11 anos com EoE que não respondam a IBPs; demonstra boa eficácia endoscópica, histológica e de melhora de sintomas. É administrado por via subcutânea, semanalmente (≥ 12 anos) ou a cada duas semanas (1-11 anos, com doses ajustadas pelo peso).
  • Outras terapias biológicas (anti-IL-13, anti-IL-5, anti-IgE) ainda não apresentam evidências suficientes para recomendação formal.

Dilatação Esofágica:

  • Indicada como tratamento adjunto em pacientes com estreitamentos ou anéis fibrosos que causem disfagia refratária.
  • Procedimento seguro e eficaz; o risco de perfuração é baixo. Deve ser preferencialmente combinado ao controle inflamatório, pois trata apenas o aspecto fibroestenótico da doença.

Manutenção e Monitoramento:

  • A manutenção de terapia efetiva (seja farmacológica ou dietética) é recomendada para todos os pacientes para evitar recorrência de inflamação, risco de complicações e progressão fibroestenótica.
  • A avaliação periódica deve incluir sintomas, endoscopia com biópsias e, em alguns casos, métodos complementares (ex.: EndoFLIP). A adesão e a resposta ao tratamento devem ser continuamente avaliadas.
  • Em crianças, atentar-se ao crescimento e ao desenvolvimento de habilidades alimentares, com suporte de nutricionistas e/ou terapeutas ocupacionais especializados, se necessário.

Conclusão: A EoE é uma doença crônica, de caráter recidivante, que requer abordagem multidisciplinar para diagnóstico e manejo eficaz. O tratamento visa controlar a inflamação e prevenir a progressão fibroestenótica, mantendo ou melhorando a qualidade de vida do paciente. IBPs, CTs, FEDs e dupilumabe são opções válidas, devendo-se considerar preferências do paciente/família e a disponibilidade de recursos.

Referência: Dellon ES, Muir AB, Katzka DA, Shah SC, Sauer BG, Aceves SS, Furuta GT, Gonsalves N, Hirano I. ACG Clinical Guideline: Diagnosis and Management of Eosinophilic Esophagitis. The American Journal of Gastroenterology. 2025 Jan;120(1):31-59. DOI: https://doi.org/10.14309/ajg.0000000000003194


Infecções por Influenza Aviária A(H5N1) em Humanos: Doença Predominantemente Leve em Trabalhadores Expostos a Animais Infectados

2 Jan, 2025 | 13:53h

Este estudo descreve os casos de infecção por influenza aviária A(H5N1) em adultos nos Estados Unidos, entre março e outubro de 2024, em um cenário de surtos em aves e em vacas leiteiras. A investigação foi iniciada após a observação de sinais clínicos sugestivos de infecção em profissionais que atuavam na depopulação de aves infectadas ou na ordenha e manejo de vacas com mastite por A(H5N1).

O objetivo principal foi avaliar as características clínicas, o histórico de exposição e a evolução dos casos humanos, bem como entender as possíveis vias de transmissão e a gravidade do quadro em uma população ocupacionalmente exposta.

Os métodos incluíram monitoramento de trabalhadores potencialmente expostos ao vírus, coleta de amostras respiratórias e conjuntivais de pessoas sintomáticas, além de testes laboratoriais de RT-PCR para subtipagem do vírus influenza A(H5). Entrevistas padronizadas investigaram fatores de risco e adoção de equipamentos de proteção individual (EPI).

Os resultados mostraram 46 casos confirmados em seis estados, dos quais 45 apresentavam vínculo ocupacional com animais infectados ou possivelmente infectados (20 com aves, 25 com vacas). Destes, 93% tiveram conjuntivite, cerca de 49% apresentaram febre e 36% sintomas respiratórios. Quinze pacientes (33%) tiveram apenas conjuntivite. Não houve mortes e apenas um caso sem exposição conhecida foi hospitalizado, embora por sintomas não respiratórios. A maioria dos casos recebeu tratamento com oseltamivir, iniciado em média até dois dias após o início dos sintomas. Não foi detectada transmissão sustentada de pessoa para pessoa. Entretanto, o uso de EPI foi considerado subótimo, principalmente entre profissionais de laticínios.

As conclusões indicam que, até o momento, o vírus A(H5N1) em humanos se manifestou de forma predominantemente leve nos Estados Unidos, com duração curta de sintomas e forte associação à exposição ocupacional direta. A ausência de transmissão sustentada sugere risco baixo para a população em geral, mas reforça a necessidade de vigilância ativa e aprimoramento de medidas de proteção individual.

Como implicações para a prática, recomenda-se o fortalecimento das orientações sobre uso adequado de EPI — especialmente na proteção ocular e respiratória —, a manutenção de monitoramento intensivo e a prescrição de antivirais precocemente para trabalhadores com exposição confirmada e sintomas sugestivos.

Entre os pontos fortes do estudo estão a ampla vigilância em diversos estados e a incorporação de swabs conjuntivais como ferramenta de diagnóstico. Como limitações, destaca-se a possibilidade de subnotificação de casos leves ou assintomáticos e lacunas em dados mais detalhados de exposição ocupacional.

Pesquisas futuras devem aprofundar o papel de diferentes vias de transmissão, especialmente contato com leite não pasteurizado, bem como avaliar potenciais mutações do vírus que possam influenciar a gravidade e a transmissibilidade entre humanos.

Referência
Garg S, Reinhart K, Couture A, Kniss K, Davis CT, Kirby MK, Murray EL, et al. Highly Pathogenic Avian Influenza A(H5N1) Virus Infections in Humans. New England Journal of Medicine. Publicado em 31 de dezembro de 2024. Link: https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa2414610

Editorial relacionado
Ison MG, Marrazzo J. The Emerging Threat of H5N1 to Human Health. New England Journal of Medicine. Publicado em 31 de dezembro de 2024. Link: https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMe2416323

 


Meta-análise: Inibidores de fosfodiesterase de meia-vida longa podem reduzir os níveis de HbA1c em pacientes com diabetes

1 Jan, 2025 | 16:45h

Os inibidores de fosfodiesterase 5 (PDE5) são amplamente conhecidos pelo seu uso no tratamento de disfunção erétil e hipertensão pulmonar, mas vêm ganhando atenção como potencial terapia combinada para indivíduos com diabetes tipo 2. O estudo em questão avaliou se existe diferença no impacto sobre o controle glicêmico (medido pelo HbA1c) entre inibidores de PDE5 de meia-vida longa (como tadalafil e PF-00489791) e de meia-vida curta (como sildenafil e avanafil).

A pesquisa surge em um cenário de crescente prevalência de diabetes no mundo, em que a busca por novas estratégias terapêuticas — inclusive reuso de medicamentos já aprovados — tem sido uma prioridade para aprimorar o controle metabólico. Nesse contexto, o objetivo central foi comparar o efeito dessas diferentes medicações sobre o HbA1c, que reflete a glicemia média dos últimos três meses e se correlaciona a complicações microvasculares e cardiovasculares.

Para isso, os autores realizaram uma revisão sistemática e meta-análise de ensaios clínicos randomizados que envolveram pacientes com HbA1c ≥ 6%. Foram incluídos somente estudos com duração mínima de quatro semanas de intervenção contínua com inibidores de PDE5, comparados a um grupo controle ou placebo. No total, 13 estudos preencheram esses critérios, avaliando tanto inibidores de meia-vida curta quanto de meia-vida longa.

Nos resultados, identificou-se que, de modo geral, os inibidores de PDE5 de meia-vida longa se associaram a reduções estatisticamente significativas nos níveis de HbA1c em comparação ao controle. Em sete estudos analisados, o grupo que recebeu tadalafil ou PF-00489791 apresentou redução média de cerca de −0,40% no HbA1c, efeito comparável aos obtidos por outros antidiabéticos em populações com níveis de HbA1c já razoavelmente controlados (entre 7% e 8%). Por outro lado, os inibidores de meia-vida curta (sildenafil e avanafil) não mostraram diminuição consistente no HbA1c, havendo até um leve aumento em subanálises de estudos mais longos (≥8 semanas) realizados exclusivamente com portadores de diabetes tipo 2 e HbA1c ≥ 6,5%.

Como conclusão, esses achados indicam que, na prática clínica, PDE5 de meia-vida longa parecem oferecer vantagem adicional para o controle glicêmico em comparação aos de meia-vida curta, possivelmente pela maior estabilidade farmacológica e adesão do paciente. Embora os resultados gerais sejam promissores, é preciso cautela na interpretação, visto que muitos estudos incluídos envolveram indivíduos com HbA1c próximo a 7%, e alguns apresentaram alta heterogeneidade. Ainda assim, o potencial de redução do HbA1c se mostra relevante, especialmente em grupos com diabetes menos controlado (por exemplo, HbA1c próximo a 10%).

Em termos de implicações clínicas, o uso de inibidores de PDE5 de meia-vida longa pode se tornar uma opção complementar para pacientes com diabetes tipo 2, contribuindo para o alcance de metas glicêmicas. Entretanto, recomenda-se prudência ao incorporar rotineiramente essas medicações, uma vez que não há estudos robustos com grandes amostras em populações altamente descompensadas.

Entre os pontos fortes do estudo estão a comparação direta entre dois tipos de inibidores de PDE5, a inclusão de diversos estudos controlados e a análise de subgrupos. Por outro lado, limitações incluem a heterogeneidade metodológica, o pequeno número de estudos com acompanhamento prolongado e o fato de alguns ensaios terem sido realizados em populações já com boa resposta glicêmica.

Pesquisas futuras devem ampliar a amostra de pacientes com níveis iniciais de HbA1c mais elevados, além de investigar de forma aprofundada os mecanismos farmacocinéticos que diferenciam os efeitos de meia-vida longa e curta na estabilidade glicêmica. Seria útil, também, avaliar desfechos clínicos de maior relevância (por exemplo, prevenção de complicações cardiovasculares e renais) para consolidar a utilidade desses agentes como parte de uma estratégia de manejo da diabetes.

Referência
Kim J, Zhao R, Kleinberg LR, Kim K. Effect of long and short half-life PDE5 inhibitors on HbA1c levels: a systematic review and meta-analysis. eClinicalMedicine. 2025;80:103035. DOI: http://doi.org/10.1016/j.eclinm.2024.103035

 


Atualização da Prática Clínica da AGA para Manejo de Trombose de Veia Porta em Pacientes com Cirrose: Revisão de Especialistas

3 Jan, 2025 | 10:00h

Introdução: Este resumo aborda as principais recomendações de um documento de revisão especializado da American Gastroenterological Association (AGA) sobre trombose de veia porta (TVP) em pacientes com cirrose. A trombose de veia porta é frequente nesses indivíduos e pode contribuir para agravamento da hipertensão portal e maior risco de mortalidade. A diretriz visa orientar a avaliação, o diagnóstico e o tratamento da TVP não maligna em cirróticos, incluindo o uso de anticoagulantes orais diretos e intervenções endovasculares.

Principais Recomendações:

  1. Screening de rotina: Pacientes assintomáticos e com cirrose compensada não requerem rastreamento frequente de TVP.
  2. Confirmação por imagem: Quando uma TVP é identificada por ultrassom Doppler, recomenda-se tomografia computadorizada (TC) ou ressonância magnética (RM) contrastada para confirmar o diagnóstico, avaliar malignidade e caracterizar extensão, oclusão e cronicidade do trombo.
  3. Investigação de hipercoagulabilidade: Em cirróticos com TVP, a pesquisa de estados hipercoaguláveis não é necessária na ausência de história pessoal ou familiar de tromboembolismo ou outras alterações laboratoriais sugestivas de trombofilia.
  4. Isquemia intestinal: Pacientes com TVP e sinais de isquemia intestinal devem receber anticoagulação imediata e, quando possível, acompanhamento multidisciplinar (gastroenterologia, hepatologia, radiologia intervencionista, hematologia e cirurgia).
  5. Conduta em tromboses recentes e pouco extensas: Em pacientes sem isquemia intestinal, com TVP recente (<6 meses) e obstrução <50%, pode-se optar pela observação com reavaliação por imagem a cada 3 meses para verificar regressão espontânea.
  6. Quando considerar anticoagulação: Em tromboses recentes (<6 meses) com obstrução significativa (>50%) ou envolvendo a veia porta principal ou vasos mesentéricos, recomenda-se iniciar anticoagulação. Também é relevante em candidatos a transplante hepático ou na presença de trombofilias hereditárias.
  7. Trombose crônica com cavernomas: Se a TVP for crônica (>6 meses), com oclusão total e formação de colaterais (transformação cavernosa), a anticoagulação geralmente não é indicada, pois a chance de recanalização é baixa.
  8. Triagem de varizes: Recomenda-se rastrear varizes esofágicas (ou outras varizes do trato digestivo) e considerar profilaxia com betabloqueadores não seletivos, mas sem retardar o início da anticoagulação em casos necessários.
  9. Escolha do anticoagulante: Antagonistas de vitamina K (AVK), heparina de baixo peso molecular (HBPM) e anticoagulantes orais diretos (DOACs) podem ser utilizados conforme o perfil clínico e de acordo com a classe Child-Turcotte-Pugh (CTP). DOACs têm posologia mais simples, mas devem ser usados com cautela em CTP B e evitados em CTP C.
  10. Duração da anticoagulação: Recomenda-se avaliar resposta à terapia por TC ou RM a cada 3 meses. Se houver regressão, manter a anticoagulação até o transplante ou até resolução do trombo em pacientes que não serão transplantados. Se não houver resposta após 6 meses, a continuidade do tratamento pode ser reavaliada.
  11. Intervenção endovascular: A revascularização portal via TIPS (transjugular intrahepatic portosystemic shunt) pode ser considerada em pacientes com cirrose e TVP que já apresentem indicação para TIPS (por exemplo, ascite refratária ou sangramento varicoso), bem como em candidatos a transplante nos quais a recanalização facilite a viabilidade cirúrgica.

Conclusão: O manejo da TVP em pacientes cirróticos requer análise individualizada, levando em conta a extensão do trombo, o risco de sangramento, a presença de isquemia e a possibilidade de transplante hepático. Essas recomendações auxiliam na tomada de decisão clínica e enfatizam a importância de identificar precocemente trombos extensos, considerando-se o uso criterioso de anticoagulação e eventuais procedimentos intervencionistas.

Referência:
Davis JPE, Lim JK, Francis FF, Ahn J. AGA Clinical Practice Update on Management of Portal Vein Thrombosis in Patients With Cirrhosis: Expert Review. Gastroenterology. 2024. doi: http://doi.org/10.1053/j.gastro.2024.10.038

 


Estudo Randomizado: Clortalidona vs Hidroclorotiazida e Resultados Renais em Pacientes com Hipertensão

3 Jan, 2025 | 09:00h

Este estudo, parte do Diuretic Comparison Project (DCP), investigou se a chlortalidona seria superior à hidroclorotiazida na prevenção de desfechos renais em pacientes de 65 anos ou mais com hipertensão. A comparação entre essas duas medicações é relevante pois ambas são frequentemente prescritas em situações de hipertensão, principalmente quando há preocupação com risco de complicações renais.

O objetivo central foi analisar se a chlortalidona reduziria a progressão da doença renal crônica (DRC), definida como duplicação do nível de creatinina sérica, taxa de filtração glomerular estimada (eGFR) menor que 15 mL/min ou necessidade de diálise, em comparação com a hidroclorotiazida. O estudo, de caráter pragmático, recrutou veteranos atendidos em unidades do Veterans Affairs (VA) nos Estados Unidos e randomizou pacientes já em uso de hidroclorotiazida (25 ou 50 mg/dia) para continuar com a mesma medicação ou mudar para chlortalidona (12,5 ou 25 mg/dia). Assim, a dose de 12,5 a 25 mg de chlortalidona foi considerada equivalente ao uso de 25 a 50 mg de hidroclorotiazida.

Dos 13 523 participantes, 12 265 apresentavam dados laboratoriais completos e foram acompanhados em média por 3,9 anos. Os resultados mostraram que a chlortalidona não foi superior à hidroclorotiazida em termos de proteção renal, tanto para a definição primária de progressão de DRC quanto em desfechos secundários, incluindo queda de 40% na eGFR, incidência de nova DRC e hospitalizações por lesão renal aguda. Em contrapartida, a chlortalidona esteve associada a maior risco de hipocalemia, embora a diferença absoluta tenha sido relativamente pequena.

Implicações para a Prática
Do ponto de vista clínico, os achados indicam que ambas as medicações podem ser usadas com confiança para o controle da hipertensão em adultos mais velhos, sem evidência de prejuízo adicional ao rim ao se optar por chlortalidona em vez de hidroclorotiazida. Porém, é fundamental acompanhar com atenção o risco aumentado de hipocalemia no grupo da chlortalidona, possivelmente ajustando doses ou associando suplementos de potássio quando necessário. Vale ressaltar que a comparação utilizou doses farmacologicamente equivalentes: 12,5 a 25 mg/dia de chlortalidona equivale a 25 a 50 mg/dia de hidroclorotiazida. Esse detalhe reforça a necessidade de se considerar equivalências de dose ao trocar uma medicação pela outra, bem como monitorar a resposta de cada paciente.

Entre os pontos fortes do estudo, destaca-se o desenho pragmático, que reflete melhor a prática clínica real. Já como limitações, a maioria dos pacientes já fazia uso de hidroclorotiazida antes, o que pode ter influenciado a tolerabilidade relatada. Além disso, os exames laboratoriais de acompanhamento seguiram a rotina clínica habitual, e não um protocolo padronizado.

Pesquisas Futuras
Futuros trabalhos poderiam explorar o uso de chlortalidona em pacientes com DRC mais avançada, bem como a adoção de estratégias de combinação com diuréticos poupadores de potássio. Outros subgrupos, como indivíduos com hiperaldosteronismo ou diabetes mais grave, também merecem investigação para delimitar melhor a segurança e efetividade de cada diurético.

Referência
Ishani A, Hau C, Raju S, et al. “Chlorthalidone vs Hydrochlorothiazide and Kidney Outcomes in Patients With Hypertension: A Secondary Analysis of a Randomized Clinical Trial.” JAMA Netw Open. 2024;7(12):e2449576. DOI: http://doi.org/10.1001/jamanetworkopen.2024.49576

 


Meta-análise de Dose-Resposta: Pelo menos 150 minutos semanais de exercício aeróbico são necessários para redução significativa de cintura e gordura

2 Jan, 2025 | 09:30h

Este estudo surgiu diante do crescente desafio de sobrepeso e obesidade em todo o mundo, condições que acarretam riscos importantes para a saúde, como diabetes tipo 2 e doenças cardiovasculares. O objetivo foi investigar se existe uma relação dose-resposta entre a prática de exercícios aeróbicos (em diferentes durações e intensidades) e a redução de peso corporal, circunferência da cintura e gordura corporal em adultos com sobrepeso ou obesidade.

Para alcançar este objetivo, realizou-se uma meta-análise com 116 ensaios clínicos randomizados, totalizando 6880 participantes, a maioria (61%) mulheres, com idade média de 46 anos. Os estudos compararam grupos que fizeram treinamento aeróbico supervisionado, em modalidades como caminhada ou corrida, por pelo menos 8 semanas, com grupos controle sem intervenção.

Os resultados mostram que cada incremento de 30 minutos por semana de exercício aeróbico se associou a reduções graduais do peso corporal (em média 0,52 kg a menos), da circunferência da cintura (aproximadamente 0,56 cm a menos) e do percentual de gordura corporal (cerca de 0,37 ponto percentual a menos). Houve também diminuição significativa das áreas de tecido adiposo visceral e subcutâneo. Embora o treino aeróbico de qualquer duração ofereça algum benefício, os resultados apontam que a prática de pelo menos 150 minutos semanais, em intensidade moderada ou superior, foi necessária para alcançar reduções clinicamente relevantes na cintura e na gordura corporal.

Conclui-se que a prática regular de exercício aeróbico pode contribuir de maneira importante para o manejo do sobrepeso e da obesidade, reduzindo medidas antropométricas e melhorando a composição corporal. Entretanto, alcançar um volume igual ou superior a 150 minutos semanais de exercício, especialmente em intensidades moderadas a vigorosas, parece ser crucial para resultados mais expressivos.

Na prática clínica, essas descobertas reforçam as diretrizes atuais que recomendam a inclusão do exercício aeróbico como parte fundamental do tratamento da obesidade. Ressalta-se, porém, a necessidade de cautela na prescrição, observando eventuais limitações muscoesqueléticas e progressão adequada de intensidade. Entre os pontos fortes do estudo destacam-se o amplo conjunto de ensaios analisados e a avaliação dose-resposta; como limitações, a heterogeneidade dos protocolos de exercício e a possível variabilidade na aderência. Pesquisas futuras podem explorar o impacto de diferentes intensidades e modalidades de exercício ao longo de períodos mais prolongados, bem como avaliar mais detalhadamente a qualidade de vida e o uso de medicações em diversos subgrupos de pacientes.

Referência: 
Jayedi A, Soltani S, Emadi A, et al. Aerobic Exercise and Weight Loss in Adults: A Systematic Review and Dose-Response Meta-Analysis. JAMA Network Open. 2024;7(12):e2452185. DOI: http://doi.org/10.1001/jamanetworkopen.2024.52185

 


Estudo sugere que práticas de Atenção Primária com maior uso de telessaúde podem reduzir alguns cuidados de baixo valor

2 Jan, 2025 | 08:00h

O estudo, conduzido entre 2019 e 2022, envolveu 577.928 beneficiários do Medicare em Michigan, todos vinculados a 2.552 práticas de Atenção Primária, classificadas em três níveis de uso de telessaúde (baixo, médio e alto). Com base em uma coorte retrospectiva os pesquisadores buscaram esclarecer se a adoção mais intensa de telessaúde nas práticas médicas influenciaria o fornecimento de serviços de baixo valor, definidos como intervenções com pouco ou nenhum benefício clínico, capazes de acarretar custos desnecessários ou até causar danos aos pacientes.

Os resultados indicaram que práticas com nível alto de telessaúde apresentaram redução na taxa de rastreamento de câncer de colo do útero em mulheres acima de 65 anos e nos testes de tireoide de baixo valor, em comparação com práticas de uso baixo de telessaúde. Esses dois procedimentos são considerados “baseados em consultório” (no caso do exame de Papanicolaou) ou requerem coleta laboratorial que pode ser menos frequente quando as consultas são virtuais (caso dos testes de tireoide). Por outro lado, não houve diferença significativa entre práticas de uso alto versus baixo de telessaúde para a maioria das demais modalidades de baixo valor, como exames de imagem para dores lombares não complicadas ou rastreamento de câncer colorretal em indivíduos acima de 85 anos. Em alguns serviços, houve até um aumento modesto, embora sem associação clara com o uso de telessaúde.

Esses achados sugerem que a telessaúde, por si só, não está vinculada a um crescimento do cuidado de baixo valor na Atenção Primária, trazendo certo alento aos formuladores de políticas que temiam maior volume de procedimentos desnecessários pela conveniência das consultas virtuais. Pelo contrário, o menor número de visitas presenciais pode ter reduzido a oportunidade de realizar certos exames de pouca utilidade, como o de câncer cervical acima de 65 anos ou alguns testes de tireoide. Ainda assim, mais estudos são necessários para avaliar possíveis efeitos sobre outros tipos de intervenções, incluindo prescrições de medicamentos potencialmente ineficazes ou desnecessários.

Do ponto de vista clínico, as práticas podem se beneficiar da integração da telessaúde, desde que mantenham a avaliação criteriosa de quais exames e procedimentos são realmente indicados. Ao mesmo tempo, é importante ressaltar que algumas limitações do método incluem a impossibilidade de avaliar todos os tipos de cuidados de baixo valor (por exemplo, prescrições de antibióticos sem necessidade) e o fato de a análise englobar apenas beneficiários do Medicare no estado de Michigan. Entre os pontos fortes, destaca-se o uso de dados amplos, de longa duração (2019-2022), o que permitiu compreender melhor o impacto real da telessaúde após o auge da pandemia.

Pesquisas futuras poderiam aprofundar a análise do impacto da telessaúde em outros contextos, como a prescrição de antibióticos ou a indicação de procedimentos invasivos, bem como explorar grupos populacionais diferentes, de modo a confirmar se as mesmas tendências se mantêm. No cenário atual, os resultados trazem subsídios importantes para embasar políticas de reembolso e regulação da telessaúde, evidenciando que a prática, quando bem utilizada, não necessariamente induz a mais gastos supérfluos e pode até evitar certos procedimentos dispensáveis.

Referência
Liu T, Zhu Z, Thompson MP, et al. Primary Care Practice Telehealth Use and Low-Value Care Services. JAMA Netw Open. 2024;7(11):e2445436. DOI: http://doi.org/10.1001/jamanetworkopen.2024.45436

 


Meta-análise: Um dia de dieta com baixo resíduo tem eficácia semelhante à de múltiplos dias na limpeza intestinal para colonoscopia

26 Dez, 2024 | 15:28h

Este estudo apresenta uma meta-análise que investigou se a adoção de um dia de dieta com baixo resíduo (DBR) é tão eficaz quanto seguir vários dias desse regime na preparação para colonoscopia. O contexto parte da necessidade de limpeza intestinal adequada, fundamental para a detecção e prevenção de patologias colorretais, incluindo pólipos e adenomas. Embora diretrizes recentes apoiem o uso de DBR, ainda não há consenso claro sobre a duração ideal (1 dia ou mais de 1 dia) para otimizar a preparação e melhorar a experiência do paciente.

O objetivo principal foi comparar a eficácia de 1 dia de DBR com mais de 1 dia de DBR em termos de qualidade da limpeza intestinal e de taxas de detecção de pólipos e adenomas. Para isso, foram incluídos seis estudos clínicos randomizados, com um total de 2.469 participantes adultos que se submeteram à colonoscopia por diferentes indicações clínicas. O desenho geral envolveu a prescrição de DBR por um ou vários dias, associada a diferentes soluções de preparo (por exemplo, polietilenoglicol com ou sem ascorbato, podendo incluir outras substâncias auxiliares). A comparação entre os grupos enfatizou taxas de preparo adequado, detecção de pólipos e adenomas, e tempos de retirada do colonoscópio.

Os resultados mostraram que a taxa de limpeza adequada, avaliada principalmente pelo Boston Bowel Preparation Scale (BBPS), foi semelhante entre o grupo de 1 dia de DBR (87,2%) e o grupo de múltiplos dias (87,1%). Não se observaram diferenças estatisticamente significativas na detecção de pólipos nem na de adenomas. Além disso, o tempo de retirada do colonoscópio e a taxa de intubação cecal mostraram resultados equiparáveis entre as duas estratégias de dieta.

Em termos de conclusões, o estudo reforça que um período mais curto de DBR (apenas 1 dia) pode ser suficientemente eficaz para garantir visualização adequada do cólon, sem comprometer as taxas de detecção de lesões importantes. Assim, a adoção de 1 dia de DBR surge como uma alternativa prática e segura, podendo facilitar a adesão dos pacientes, reduzir a carga alimentar restritiva e otimizar o fluxo de procedimentos nos serviços de endoscopia.

Nas implicações para a prática clínica, ressalta-se que o menor tempo de restrição pode aumentar o conforto e a cooperação do paciente, sem queda na qualidade da limpeza. Contudo, a decisão final deve considerar condições específicas, como constipação crônica e comorbidades, além das preferências individuais.

Entre os pontos fortes do estudo, destaca-se a inclusão exclusiva de ensaios clínicos randomizados, o que reforça a confiabilidade dos achados. A heterogeneidade foi baixa ou ausente nos principais desfechos, indicando boa consistência metodológica. Como limitações, houve variação nos protocolos de DBR (inclusive quanto aos cardápios adotados) e diferenças quanto a desfechos secundários avaliados. Ademais, alguns estudos apresentaram risco de viés por seleção ou métodos de análise.

Para pesquisas futuras, sugere-se ampliar a investigação de desfechos econômicos (custos com preparo), adesão dos pacientes (satisfação, conforto) e possíveis diferenças em grupos específicos (por exemplo, pessoas idosas ou constipadas). Investigações adicionais sobre a composição exata da DBR em diferentes contextos culturais podem auxiliar na elaboração de diretrizes mais detalhadas.

Referência
Putri RD, Amalia F, Utami FA, Pamela Y, Syamsunarno MRAA. One-day low-residue diet is equally effective as the multiple-day low-residue diet in achieving adequate bowel cleansing: a meta-analysis of randomized controlled trials. Clinical Endoscopy. 2024. DOI: https://doi.org/10.5946/ce.2024.061

 


Melhorias Precoces com Atogepant Versus Placebo na Prevenção da Enxaqueca: Resultados de Três Ensaios Clínicos Randomizados

26 Dez, 2024 | 09:33h

Este estudo descreve dados combinados de três ensaios clínicos de fase 3 (ADVANCE, ELEVATE e PROGRESS) que avaliaram o uso de atogepant 60 mg uma vez ao dia para prevenção de enxaqueca, tanto do tipo episódica quanto crônica. O objetivo central foi verificar se o atogepant, já em suas primeiras semanas de uso, reduziria o número de dias com enxaqueca e melhoraria a capacidade funcional dos pacientes. É importante destacar que o comparador em todos os ensaios foi placebo, sem comparação com outras intervenções ativas consagradas, o que limita algumas conclusões sobre superioridade em relação a medicamentos preventivos já estabelecidos.

Os métodos incluíram o recrutamento de adultos de 18 a 80 anos, com histórico de pelo menos um ano de enxaqueca. Nos estudos ADVANCE e ELEVATE, os participantes tinham enxaqueca episódica (4–14 dias de enxaqueca por mês); no ELEVATE em particular, era exigida falha prévia de 2 a 4 classes de preventivos orais convencionais. Já no PROGRESS, incluíram-se indivíduos com enxaqueca crônica (≥15 dias de cefaleia ao mês, dos quais ≥8 eram dias de enxaqueca). Os participantes foram randomizados para receber atogepant (60 mg/dia) ou placebo ao longo de 12 semanas, acompanhando-se também as primeiros 4 semanas de tratamento, foco desta análise.

Os resultados mostraram que, desde o primeiro dia, houve menor proporção de pacientes com enxaqueca no grupo atogepant em comparação ao placebo. Adicionalmente, observou-se redução significativa do número de dias de enxaqueca semanal e mensal nas primeiras quatro semanas em quem recebeu a medicação ativa. Houve ainda melhora precoce na função relatada pelos pacientes: aqueles em uso de atogepant apresentaram menos dificuldade para realizar tarefas diárias e menor prejuízo físico associado à enxaqueca.

Concluiu-se que o atogepant 60 mg/dia, ao longo das primeiras quatro semanas, demonstrou vantagens significativas sobre o placebo, tanto na redução de dias de enxaqueca quanto na melhora de qualidade de vida. Porém, devido à comparação exclusiva com placebo, não se pode afirmar como o atogepant se compara a outros tratamentos preventivos consagrados.

Nas implicações para a prática, os resultados sugerem que o atogepant pode ser uma opção preventiva promissora para casos de enxaqueca episódica ou crônica, sobretudo pela rapidez na redução de crises e melhora de funcionalidade. Entretanto, o uso clínico deve ser cauteloso, reconhecendo que faltam comparações diretas com outros medicamentos e ainda se necessita de tempo maior de observação para avaliar segurança e aderência em longo prazo.

Entre os pontos fortes, destaca-se o desenho robusto de ensaios randomizados e duplo-cegos em amostras multicêntricas, reforçando a validade interna dos achados. As limitações incluem a ausência de comparador ativo e a predominância de participantes brancos e mulheres, o que pode reduzir a generalização dos resultados a populações mais diversas.

Para pesquisas futuras, recomenda-se investigar a eficácia do atogepant em comparação direta com outras terapias de primeira linha, além de estudar desfechos de longo prazo e possíveis benefícios adicionais em populações mais heterogêneas.

Referência: Lipton RB, Gandhi P, Tassorelli C, Reuter U, Harriott AM, Holle-Lee D, et al. Early Improvements With Atogepant for the Preventive Treatment of Migraine: Results From 3 Randomized Phase 3 Trials. Neurology. 2025;104(2). DOI: https://doi.org/10.1212/WNL.0000000000210212

 


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