Estudo sugere que práticas de Atenção Primária com maior uso de telessaúde podem reduzir alguns cuidados de baixo valor
2 Jan, 2025 | 08:00hO estudo, conduzido entre 2019 e 2022, envolveu 577.928 beneficiários do Medicare em Michigan, todos vinculados a 2.552 práticas de Atenção Primária, classificadas em três níveis de uso de telessaúde (baixo, médio e alto). Com base em uma coorte retrospectiva os pesquisadores buscaram esclarecer se a adoção mais intensa de telessaúde nas práticas médicas influenciaria o fornecimento de serviços de baixo valor, definidos como intervenções com pouco ou nenhum benefício clínico, capazes de acarretar custos desnecessários ou até causar danos aos pacientes.
Os resultados indicaram que práticas com nível alto de telessaúde apresentaram redução na taxa de rastreamento de câncer de colo do útero em mulheres acima de 65 anos e nos testes de tireoide de baixo valor, em comparação com práticas de uso baixo de telessaúde. Esses dois procedimentos são considerados “baseados em consultório” (no caso do exame de Papanicolaou) ou requerem coleta laboratorial que pode ser menos frequente quando as consultas são virtuais (caso dos testes de tireoide). Por outro lado, não houve diferença significativa entre práticas de uso alto versus baixo de telessaúde para a maioria das demais modalidades de baixo valor, como exames de imagem para dores lombares não complicadas ou rastreamento de câncer colorretal em indivíduos acima de 85 anos. Em alguns serviços, houve até um aumento modesto, embora sem associação clara com o uso de telessaúde.
Esses achados sugerem que a telessaúde, por si só, não está vinculada a um crescimento do cuidado de baixo valor na Atenção Primária, trazendo certo alento aos formuladores de políticas que temiam maior volume de procedimentos desnecessários pela conveniência das consultas virtuais. Pelo contrário, o menor número de visitas presenciais pode ter reduzido a oportunidade de realizar certos exames de pouca utilidade, como o de câncer cervical acima de 65 anos ou alguns testes de tireoide. Ainda assim, mais estudos são necessários para avaliar possíveis efeitos sobre outros tipos de intervenções, incluindo prescrições de medicamentos potencialmente ineficazes ou desnecessários.
Do ponto de vista clínico, as práticas podem se beneficiar da integração da telessaúde, desde que mantenham a avaliação criteriosa de quais exames e procedimentos são realmente indicados. Ao mesmo tempo, é importante ressaltar que algumas limitações do método incluem a impossibilidade de avaliar todos os tipos de cuidados de baixo valor (por exemplo, prescrições de antibióticos sem necessidade) e o fato de a análise englobar apenas beneficiários do Medicare no estado de Michigan. Entre os pontos fortes, destaca-se o uso de dados amplos, de longa duração (2019-2022), o que permitiu compreender melhor o impacto real da telessaúde após o auge da pandemia.
Pesquisas futuras poderiam aprofundar a análise do impacto da telessaúde em outros contextos, como a prescrição de antibióticos ou a indicação de procedimentos invasivos, bem como explorar grupos populacionais diferentes, de modo a confirmar se as mesmas tendências se mantêm. No cenário atual, os resultados trazem subsídios importantes para embasar políticas de reembolso e regulação da telessaúde, evidenciando que a prática, quando bem utilizada, não necessariamente induz a mais gastos supérfluos e pode até evitar certos procedimentos dispensáveis.
Referência
Liu T, Zhu Z, Thompson MP, et al. Primary Care Practice Telehealth Use and Low-Value Care Services. JAMA Netw Open. 2024;7(11):e2445436. DOI: http://doi.org/10.1001/jamanetworkopen.2024.45436