Clínica Médica
Medicações Glutamatérgicas Mostram Potencial no Tratamento de Transtornos Obsessivo-Compulsivos e Correlatos
4 Jan, 2025 | 09:45hEste estudo conduzido por Coelho e colaboradores avaliou o papel dos fármacos glutamatérgicos no manejo de Transtornos Obsessivo-Compulsivos e Correlatos (OCRDs), um espectro de condições neuropsiquiátricas que inclui o Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC), o transtorno dismórfico corporal, o transtorno de escoriação (skin picking), a tricotilomania e o transtorno de acumulação. Esses transtornos podem comprometer seriamente a qualidade de vida, atingindo cerca de 2% a 3% da população.
O principal objetivo foi investigar se o uso desses fármacos, isolados ou em associação com inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRSs), poderia reduzir a sintomatologia de OCRDs em comparação ao placebo, analisando preferencialmente ensaios clínicos randomizados, duplo-cegos e controlados por placebo.
O desenho incluiu 27 estudos, totalizando 1369 indivíduos de diferentes faixas etárias e gêneros, todos com diagnóstico de algum OCRD, incluindo TOC. Variadas substâncias glutamatérgicas foram examinadas — como N-acetilcisteína (NAC), memantina, lamotrigina, riluzol e topiramato— comparadas ao placebo, tanto em monoterapia quanto em combinação a ISRSs. Dados de melhora clínica foram obtidos por escalas padronizadas (por exemplo, a Yale-Brown Obsessive Compulsive Scale (Y-BOCS), no caso do TOC) e sintetizados usando meta-análises de efeitos randômicos. Foram realizadas análises de subgrupos considerando o tipo de OCRD, população, refratariedade, estratégia de combinação, risco de viés e tipo de fármaco glutamatérgico.
Entre os principais resultados, observou-se que os fármacos glutamatérgicos estiveram associados a uma redução significativa nos sintomas de OCRDs em geral, com um efeito de grande magnitude (Cohen’s d = -0,80). Focando no TOC (n=23 estudos), houve redução média de 4,17 pontos nos escores da Y-BOCS, sugerindo benefício clínico. Apesar disso, a heterogeneidade elevada entre os estudos, possivelmente devido à diversidade de populações e desenhos de tratamento, e a possibilidade de viés de publicação demandam cautela na interpretação.
As conclusões apontam para o potencial promissor desses fármacos no tratamento de OCRDs, particularmente para pacientes com TOC. No entanto, a alta heterogeneidade e a possibilidade de viés de publicação exigem uma interpretação cautelosa dos resultados. A aplicação prática pode envolver avaliação individualizada de cada caso, considerando a possibilidade de complementar ou substituir tratamentos tradicionais, sempre com cuidado para potenciais efeitos adversos e com monitoramento próximo.
Do ponto de vista de implicações clínicas, a sobriedade no uso de medicações glutamatérgicas é recomendada, pois embora o estudo aponte benefícios, nem todos os pacientes podem se beneficiar igualmente. Novos protocolos de tratamento devem ser orientados por avaliações criteriosas de risco-benefício.
Pontos fortes do trabalho incluem a análise sistemática de vários subtipos de OCRDs e a adoção de escalas bem validadas, além de um desenho metodológico robusto na maior parte dos estudos. Entretanto, as limitações englobam o número reduzido de ensaios sobre alguns subtipos menos frequentes (como transtorno dismórfico corporal e de acumulação), a diversidade de populações e estratégias terapêuticas, o que pode comprometer a comparabilidade, e o fato de poucos estudos terem testado fármacos mais novos, como a cetamina.
Pesquisas futuras, com amostras maiores e metodologias mais robustas, são necessárias para confirmar esses achados, determinar a dosagem ideal, elucidar quais subgrupos de pacientes se beneficiam mais, testar doses e durações diferentes, avaliar subtipos de OCRDs menos estudados e possíveis novos fármacos glutamatérgicos ainda não incluídos nesta meta-análise.
Referência: Coelho DRA, Yang C, Suriaga A, et al. Glutamatergic Medications for Obsessive-Compulsive and Related Disorders: A Systematic Review and Meta-Analysis. JAMA Netw Open. 2025;8(1):e2452963. DOI: http://doi.org/10.1001/jamanetworkopen.2024.52963
Diagnóstico e Manejo da Esofagite Eosinofílica: Diretriz Clínica do ACG
6 Jan, 2025 | 13:00hIntrodução: A esofagite eosinofílica (EoE) é uma doença inflamatória crônica do esôfago, mediada por processo imunológico e desencadeada na maioria das vezes por alérgenos alimentares e aeroalérgenos. Caracteriza-se por sintomas de disfunção esofágica – como disfagia e impactação alimentar – associados a um infiltrado eosinofílico significativo (≥15 eosinófilos por campo de grande aumento) na biópsia esofágica. Esta diretriz atualizada do American College of Gastroenterology (ACG) aborda aspectos de diagnóstico, tratamento, monitoramento e recomendações específicas para populações pediátricas e adultas, adotando a metodologia GRADE para embasar as recomendações.
Principais Recomendações:
Diagnóstico e Avaliação Inicial:
- Confirmar EoE pela presença de sintomas de disfunção esofágica (por exemplo, disfagia, recusa alimentar em crianças) e contagem de pelo menos 15 eosinófilos por campo de grande aumento na biópsia.
- Excluir outras causas de eosinofilia esofágica, como doenças infecciosas ou gastroesofágicas não relacionadas.
- Empregar sistema de pontuação endoscópica (EREFS) para avaliar edema, anéis, exsudatos, sulcos, constrições e estreitamentos. Obter pelo menos 6 biópsias esofágicas de diferentes níveis (proximal/distal) para maximizar a sensibilidade diagnóstica. Utilizar o sistema EREFS em todas as endoscopias para EoE.
Inibidores de Bomba de Prótons (IBPs):
- São opção terapêutica de primeira linha para EoE. Doses altas, correspondentes ao dobro da dose usual para refluxo (p. ex. omeprazol 40 mg duas vezes ao dia), podem ser utilizadas, em especial em esquemas de dose diária ou dividida, a depender da adesão do paciente. Os IBPs podem atuar por mecanismos que vão além da supressão ácida.
- Manter vigilância de potenciais efeitos adversos, embora seu perfil de segurança seja favorável.
Corticosteroides Tópicos (CTs):
- Recomendam-se preparações de budesonida (formulações aprovadas para EoE, como suspensões orais viscosas ou comprimidos orodispersíveis) ou fluticasona (em aerossol ou formulações para deglutição) para reduzir inflamação esofágica.
- Ambas demonstram boa eficácia histológica e endoscópica, além de melhorar sintomas de disfagia em crianças e adultos.
- O efeito adverso mais comum é candidíase orofaríngea ou esofágica, geralmente assintomática e controlável.
Dietas de Eliminação (FEDs):
- Dietas empíricas, como a dieta de exclusão de 1 a 6 alimentos, podem induzir remissão em cerca de 50-60% (1 alimento – leite de vaca), 40-50% (4 alimentos) e 50-70% (6 alimentos) dos casos, sendo mais restritivas (6 alimentos) geralmente mais eficazes, porém menos práticas. A dieta de exclusão de 1 alimento (leite de vaca) pode ser considerada como opção terapêutica inicial, apesar de menos estudada que as demais.
- A reintrodução gradual dos alimentos é fundamental para identificar o(s) gatilho(s). O acompanhamento com nutricionista é fortemente recomendado para monitorar o estado nutricional, especialmente em crianças.
Biológicos:
- Dupilumabe (anti-IL-4Rα) está aprovado para pacientes ≥12 anos e também para crianças de 1 a 11 anos com EoE que não respondam a IBPs; demonstra boa eficácia endoscópica, histológica e de melhora de sintomas. É administrado por via subcutânea, semanalmente (≥ 12 anos) ou a cada duas semanas (1-11 anos, com doses ajustadas pelo peso).
- Outras terapias biológicas (anti-IL-13, anti-IL-5, anti-IgE) ainda não apresentam evidências suficientes para recomendação formal.
Dilatação Esofágica:
- Indicada como tratamento adjunto em pacientes com estreitamentos ou anéis fibrosos que causem disfagia refratária.
- Procedimento seguro e eficaz; o risco de perfuração é baixo. Deve ser preferencialmente combinado ao controle inflamatório, pois trata apenas o aspecto fibroestenótico da doença.
Manutenção e Monitoramento:
- A manutenção de terapia efetiva (seja farmacológica ou dietética) é recomendada para todos os pacientes para evitar recorrência de inflamação, risco de complicações e progressão fibroestenótica.
- A avaliação periódica deve incluir sintomas, endoscopia com biópsias e, em alguns casos, métodos complementares (ex.: EndoFLIP). A adesão e a resposta ao tratamento devem ser continuamente avaliadas.
- Em crianças, atentar-se ao crescimento e ao desenvolvimento de habilidades alimentares, com suporte de nutricionistas e/ou terapeutas ocupacionais especializados, se necessário.
Conclusão: A EoE é uma doença crônica, de caráter recidivante, que requer abordagem multidisciplinar para diagnóstico e manejo eficaz. O tratamento visa controlar a inflamação e prevenir a progressão fibroestenótica, mantendo ou melhorando a qualidade de vida do paciente. IBPs, CTs, FEDs e dupilumabe são opções válidas, devendo-se considerar preferências do paciente/família e a disponibilidade de recursos.
Referência: Dellon ES, Muir AB, Katzka DA, Shah SC, Sauer BG, Aceves SS, Furuta GT, Gonsalves N, Hirano I. ACG Clinical Guideline: Diagnosis and Management of Eosinophilic Esophagitis. The American Journal of Gastroenterology. 2025 Jan;120(1):31-59. DOI: https://doi.org/10.14309/ajg.0000000000003194
Anticoagulação em Pacientes Hospitalizados com COVID-19: Dose Terapêutica Reduz Mortalidade em 28 Dias
6 Jan, 2025 | 12:00hEste amplo estudo multicêntrico avaliou a eficácia e a segurança de doses mais elevadas de anticoagulantes (principalmente heparinas) em comparação a doses mais baixas em pacientes hospitalizados por COVID-19. A motivação inicial veio da observação de altas taxas de trombose nessa população, associadas a quadros inflamatórios intensos. Assim, o objetivo principal foi comparar o efeito de diferentes doses de anticoagulantes (terapêutica, intermediária ou profilática) na mortalidade em 28 dias.
No total, foram incluídos 22 ensaios clínicos randomizados (principalmente com heparinas de baixo peso molecular ou heparina não fracionada), abrangendo mais de 11 mil pacientes. A maior parte comparou dose terapêutica versus dose profilática, enquanto alguns estudos adicionaram o braço intermediário. A avaliação metodológica foi feita com base no protocolo pré-registrado, e os resultados foram analisados de forma prospectiva, com dados detalhados fornecidos pelos próprios pesquisadores.
Os resultados indicaram que a anticoagulação em dose terapêutica, comparada à dose profilática, reduziu a mortalidade em 28 dias (OR 0.77; IC 95%, 0.64-0.93) em pacientes que, em sua maioria, recebiam pouco ou nenhum suporte de oxigênio no momento da randomização. Na comparação entre doses terapêuticas e intermediárias, observou-se um aumento não estatisticamente significativo na mortalidade no grupo da dose terapêutica (OR 1.21; IC 95% 0.93-1.58). Já a dose intermediária, quando comparada à profilática, não apresentou diferença significativa na mortalidade (OR 0.95; IC 95% 0.76-1.19). Em todas as comparações, observou-se que a dose mais elevada reduzia eventos tromboembólicos (por exemplo, OR 0.48 na comparação entre dose terapêutica e profilática), porém aumentava o risco de sangramentos maiores (OR 1.90 na mesma comparação). A influência do nível de suporte ventilatório (nenhum/baixo fluxo vs. suporte avançado) não se mostrou robusta para alterar substancialmente os achados, embora algumas análises tenham sido limitadas pelo número de pacientes em cada subgrupo.
Do ponto de vista clínico, a conclusão geral sugere possível benefício da anticoagulação em dose terapêutica para pacientes hospitalizados com COVID-19 que não estejam em ventilação mecânica invasiva ou em estados mais críticos de suporte respiratório. Contudo, a decisão deve ser ponderada pelo maior risco de sangramento. Segundo comentário editorial publicado na mesma revista (DOI: https://doi.org/10.7326/ANNALS-24-03244), ainda existem incertezas sobre a real aplicabilidade desses achados nos estágios mais atuais da pandemia, devido a mudanças nas variantes do vírus e ao surgimento de novas formas de tratamento.
Implicações para a Prática
Os resultados apoiam a adoção mais criteriosa de doses terapêuticas em pacientes não críticos, atentando ao risco de sangramento e ao perfil de gravidade. Para casos que envolvem ventilação mecânica invasiva ou estado crítico, não houve evidência robusta de benefício com doses terapêuticas em relação às intermediárias ou profiláticas.
Pontos Fortes e Limitações
Entre os pontos fortes, destacam-se a análise prospectiva e a inclusão de diversos ensaios, cobrindo diferentes cenários de COVID-19. Como limitação, as comparações envolveram populações com graus distintos de gravidade e, embora tenha havido uma padronização razoável, houve alguma variação nas doses utilizadas nos grupos controle. Além disso, a evolução da pandemia e o surgimento de novas variantes podem reduzir a validade externa para o momento atual.
Pesquisas Futuras
Investigações adicionais são necessárias para delimitar com mais precisão quais subgrupos (por exemplo, níveis de D-dímero, comorbidades ou perfis inflamatórios) podem se beneficiar mais da dose terapêutica, e qual o melhor momento de iniciar ou descontinuar o tratamento.
Referência: The WHO Rapid Evidence Appraisal for COVID-19 Therapies (REACT) Working Group. Anticoagulation Among Patients Hospitalized for COVID-19: A Systematic Review and Prospective Meta-analysis. Annals of Internal Medicine. DOI: https://doi.org/10.7326/ANNALS-24-00800
Editorial: Shappell CN, Anesi GL. Anticoagulation for COVID-19: Seeking Clarity and Finding Yet More Gray. Annals of Internal Medicine. DOI: https://doi.org/10.7326/ANNALS-24-03244
Suporte Nutricional em Pacientes em UTI: Perspectivas Atuais e Recomendações
6 Jan, 2025 | 11:00hIntrodução: Este texto resume um artigo de revisão sobre suporte nutricional em pacientes críticos, publicado no BMJ em 2025. A revisão discute a importância de individualizar a nutrição durante a internação em UTI, considerando a fase aguda e a fase de recuperação do paciente. O estado crítico leva a catabolismo acentuado, perda muscular e fraqueza persistente, ressaltando a relevância de estratégias nutricionais bem definidas. Entretanto, pesquisas recentes questionam a prática tradicional de fornecer altos níveis de calorias e proteínas precocemente. Também se enfatiza que, embora a nutrição seja essencial, somente a terapia nutricional pode não ser suficiente para reverter completamente a perda muscular e promover recuperação funcional.
Principais Recomendações:
- Abordagem Individualizada: Avaliar riscos nutricionais e fases da doença para definir a quantidade de calorias e proteínas. Evidências recentes sugerem benefícios de restrição moderada de calorias e proteínas na fase aguda do choque ou falência de múltiplos órgãos.
- Rotas de Alimentação: Dar preferência à nutrição enteral em pacientes sem contraindicações gastrointestinais claras. A nutrição parenteral pode ser usada quando o trato gastrointestinal não estiver funcional ou houver necessidade prolongada de suporte.
- Dose de Macronutrientes: Evitar superalimentação na primeira semana de doença crítica, especialmente quando há instabilidade hemodinâmica ou evidências de hipercatabolismo. Estudos grandes e recentes não mostraram vantagem de atingir metas altas de calorias ou proteínas muito cedo.
- Micronutrientes e “Farmaconutrientes”: Suplementações específicas (por exemplo, glutamina, antioxidantes, vitaminas e oligoelementos) não demonstraram benefícios claros em estudos robustos. A reposição deve seguir as recomendações diárias usuais, levando em conta perdas adicionais (por exemplo, diálise contínua).
- Monitoramento e Ajuste: Ferramentas de triagem como NUTRIC ou NRS-2002 podem ajudar na avaliação de risco, mas ainda faltam biomarcadores confiáveis para guiar decisões durante cada fase da doença. A supervisão de uma equipe multiprofissional (médicos, enfermeiros, nutricionistas e fisioterapeutas) otimiza a implementação e continuidade do plano nutricional.
- Reabilitação Focada: Combinar a nutrição com fisioterapia e outras abordagens de reabilitação, estendendo-se após a alta da UTI, pode melhorar a qualidade de vida, a função física e o retorno às atividades habituais no longo prazo.
Conclusão: O suporte nutricional é fundamental no tratamento do paciente criticamente enfermo, mas sua implementação deve ser dinâmica, ajustada ao momento clínico. Evidências atuais indicam que uma oferta mais cautelosa de calorias e proteínas nos primeiros dias, seguida de progressão gradual conforme o paciente se estabiliza, pode reduzir complicações e acelerar a recuperação. Pesquisas futuras devem enfocar marcadores de catabolismo e anabolismo, estratégias personalizadas de alimentação e a integração entre nutrição e reabilitação para melhorar a evolução funcional e a qualidade de vida.
Referência: Reignier J, Rice TW, Arabi YM, Casaer M. Nutritional Support in the ICU. BMJ. 2025;388:e077979. Disponível em: https://doi.org/10.1136/bmj-2023-077979
Infecções por Influenza Aviária A(H5N1) em Humanos: Doença Predominantemente Leve em Trabalhadores Expostos a Animais Infectados
2 Jan, 2025 | 13:53hEste estudo descreve os casos de infecção por influenza aviária A(H5N1) em adultos nos Estados Unidos, entre março e outubro de 2024, em um cenário de surtos em aves e em vacas leiteiras. A investigação foi iniciada após a observação de sinais clínicos sugestivos de infecção em profissionais que atuavam na depopulação de aves infectadas ou na ordenha e manejo de vacas com mastite por A(H5N1).
O objetivo principal foi avaliar as características clínicas, o histórico de exposição e a evolução dos casos humanos, bem como entender as possíveis vias de transmissão e a gravidade do quadro em uma população ocupacionalmente exposta.
Os métodos incluíram monitoramento de trabalhadores potencialmente expostos ao vírus, coleta de amostras respiratórias e conjuntivais de pessoas sintomáticas, além de testes laboratoriais de RT-PCR para subtipagem do vírus influenza A(H5). Entrevistas padronizadas investigaram fatores de risco e adoção de equipamentos de proteção individual (EPI).
Os resultados mostraram 46 casos confirmados em seis estados, dos quais 45 apresentavam vínculo ocupacional com animais infectados ou possivelmente infectados (20 com aves, 25 com vacas). Destes, 93% tiveram conjuntivite, cerca de 49% apresentaram febre e 36% sintomas respiratórios. Quinze pacientes (33%) tiveram apenas conjuntivite. Não houve mortes e apenas um caso sem exposição conhecida foi hospitalizado, embora por sintomas não respiratórios. A maioria dos casos recebeu tratamento com oseltamivir, iniciado em média até dois dias após o início dos sintomas. Não foi detectada transmissão sustentada de pessoa para pessoa. Entretanto, o uso de EPI foi considerado subótimo, principalmente entre profissionais de laticínios.
As conclusões indicam que, até o momento, o vírus A(H5N1) em humanos se manifestou de forma predominantemente leve nos Estados Unidos, com duração curta de sintomas e forte associação à exposição ocupacional direta. A ausência de transmissão sustentada sugere risco baixo para a população em geral, mas reforça a necessidade de vigilância ativa e aprimoramento de medidas de proteção individual.
Como implicações para a prática, recomenda-se o fortalecimento das orientações sobre uso adequado de EPI — especialmente na proteção ocular e respiratória —, a manutenção de monitoramento intensivo e a prescrição de antivirais precocemente para trabalhadores com exposição confirmada e sintomas sugestivos.
Entre os pontos fortes do estudo estão a ampla vigilância em diversos estados e a incorporação de swabs conjuntivais como ferramenta de diagnóstico. Como limitações, destaca-se a possibilidade de subnotificação de casos leves ou assintomáticos e lacunas em dados mais detalhados de exposição ocupacional.
Pesquisas futuras devem aprofundar o papel de diferentes vias de transmissão, especialmente contato com leite não pasteurizado, bem como avaliar potenciais mutações do vírus que possam influenciar a gravidade e a transmissibilidade entre humanos.
Referência
Garg S, Reinhart K, Couture A, Kniss K, Davis CT, Kirby MK, Murray EL, et al. Highly Pathogenic Avian Influenza A(H5N1) Virus Infections in Humans. New England Journal of Medicine. Publicado em 31 de dezembro de 2024. Link: https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa2414610
Editorial relacionado
Ison MG, Marrazzo J. The Emerging Threat of H5N1 to Human Health. New England Journal of Medicine. Publicado em 31 de dezembro de 2024. Link: https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMe2416323
Meta-análise: Inibidores de fosfodiesterase de meia-vida longa podem reduzir os níveis de HbA1c em pacientes com diabetes
1 Jan, 2025 | 16:45hOs inibidores de fosfodiesterase 5 (PDE5) são amplamente conhecidos pelo seu uso no tratamento de disfunção erétil e hipertensão pulmonar, mas vêm ganhando atenção como potencial terapia combinada para indivíduos com diabetes tipo 2. O estudo em questão avaliou se existe diferença no impacto sobre o controle glicêmico (medido pelo HbA1c) entre inibidores de PDE5 de meia-vida longa (como tadalafil e PF-00489791) e de meia-vida curta (como sildenafil e avanafil).
A pesquisa surge em um cenário de crescente prevalência de diabetes no mundo, em que a busca por novas estratégias terapêuticas — inclusive reuso de medicamentos já aprovados — tem sido uma prioridade para aprimorar o controle metabólico. Nesse contexto, o objetivo central foi comparar o efeito dessas diferentes medicações sobre o HbA1c, que reflete a glicemia média dos últimos três meses e se correlaciona a complicações microvasculares e cardiovasculares.
Para isso, os autores realizaram uma revisão sistemática e meta-análise de ensaios clínicos randomizados que envolveram pacientes com HbA1c ≥ 6%. Foram incluídos somente estudos com duração mínima de quatro semanas de intervenção contínua com inibidores de PDE5, comparados a um grupo controle ou placebo. No total, 13 estudos preencheram esses critérios, avaliando tanto inibidores de meia-vida curta quanto de meia-vida longa.
Nos resultados, identificou-se que, de modo geral, os inibidores de PDE5 de meia-vida longa se associaram a reduções estatisticamente significativas nos níveis de HbA1c em comparação ao controle. Em sete estudos analisados, o grupo que recebeu tadalafil ou PF-00489791 apresentou redução média de cerca de −0,40% no HbA1c, efeito comparável aos obtidos por outros antidiabéticos em populações com níveis de HbA1c já razoavelmente controlados (entre 7% e 8%). Por outro lado, os inibidores de meia-vida curta (sildenafil e avanafil) não mostraram diminuição consistente no HbA1c, havendo até um leve aumento em subanálises de estudos mais longos (≥8 semanas) realizados exclusivamente com portadores de diabetes tipo 2 e HbA1c ≥ 6,5%.
Como conclusão, esses achados indicam que, na prática clínica, PDE5 de meia-vida longa parecem oferecer vantagem adicional para o controle glicêmico em comparação aos de meia-vida curta, possivelmente pela maior estabilidade farmacológica e adesão do paciente. Embora os resultados gerais sejam promissores, é preciso cautela na interpretação, visto que muitos estudos incluídos envolveram indivíduos com HbA1c próximo a 7%, e alguns apresentaram alta heterogeneidade. Ainda assim, o potencial de redução do HbA1c se mostra relevante, especialmente em grupos com diabetes menos controlado (por exemplo, HbA1c próximo a 10%).
Em termos de implicações clínicas, o uso de inibidores de PDE5 de meia-vida longa pode se tornar uma opção complementar para pacientes com diabetes tipo 2, contribuindo para o alcance de metas glicêmicas. Entretanto, recomenda-se prudência ao incorporar rotineiramente essas medicações, uma vez que não há estudos robustos com grandes amostras em populações altamente descompensadas.
Entre os pontos fortes do estudo estão a comparação direta entre dois tipos de inibidores de PDE5, a inclusão de diversos estudos controlados e a análise de subgrupos. Por outro lado, limitações incluem a heterogeneidade metodológica, o pequeno número de estudos com acompanhamento prolongado e o fato de alguns ensaios terem sido realizados em populações já com boa resposta glicêmica.
Pesquisas futuras devem ampliar a amostra de pacientes com níveis iniciais de HbA1c mais elevados, além de investigar de forma aprofundada os mecanismos farmacocinéticos que diferenciam os efeitos de meia-vida longa e curta na estabilidade glicêmica. Seria útil, também, avaliar desfechos clínicos de maior relevância (por exemplo, prevenção de complicações cardiovasculares e renais) para consolidar a utilidade desses agentes como parte de uma estratégia de manejo da diabetes.
Referência
Kim J, Zhao R, Kleinberg LR, Kim K. Effect of long and short half-life PDE5 inhibitors on HbA1c levels: a systematic review and meta-analysis. eClinicalMedicine. 2025;80:103035. DOI: http://doi.org/10.1016/j.eclinm.2024.103035
Atualização da Prática Clínica da AGA para Manejo de Trombose de Veia Porta em Pacientes com Cirrose: Revisão de Especialistas
3 Jan, 2025 | 10:00hIntrodução: Este resumo aborda as principais recomendações de um documento de revisão especializado da American Gastroenterological Association (AGA) sobre trombose de veia porta (TVP) em pacientes com cirrose. A trombose de veia porta é frequente nesses indivíduos e pode contribuir para agravamento da hipertensão portal e maior risco de mortalidade. A diretriz visa orientar a avaliação, o diagnóstico e o tratamento da TVP não maligna em cirróticos, incluindo o uso de anticoagulantes orais diretos e intervenções endovasculares.
Principais Recomendações:
- Screening de rotina: Pacientes assintomáticos e com cirrose compensada não requerem rastreamento frequente de TVP.
- Confirmação por imagem: Quando uma TVP é identificada por ultrassom Doppler, recomenda-se tomografia computadorizada (TC) ou ressonância magnética (RM) contrastada para confirmar o diagnóstico, avaliar malignidade e caracterizar extensão, oclusão e cronicidade do trombo.
- Investigação de hipercoagulabilidade: Em cirróticos com TVP, a pesquisa de estados hipercoaguláveis não é necessária na ausência de história pessoal ou familiar de tromboembolismo ou outras alterações laboratoriais sugestivas de trombofilia.
- Isquemia intestinal: Pacientes com TVP e sinais de isquemia intestinal devem receber anticoagulação imediata e, quando possível, acompanhamento multidisciplinar (gastroenterologia, hepatologia, radiologia intervencionista, hematologia e cirurgia).
- Conduta em tromboses recentes e pouco extensas: Em pacientes sem isquemia intestinal, com TVP recente (<6 meses) e obstrução <50%, pode-se optar pela observação com reavaliação por imagem a cada 3 meses para verificar regressão espontânea.
- Quando considerar anticoagulação: Em tromboses recentes (<6 meses) com obstrução significativa (>50%) ou envolvendo a veia porta principal ou vasos mesentéricos, recomenda-se iniciar anticoagulação. Também é relevante em candidatos a transplante hepático ou na presença de trombofilias hereditárias.
- Trombose crônica com cavernomas: Se a TVP for crônica (>6 meses), com oclusão total e formação de colaterais (transformação cavernosa), a anticoagulação geralmente não é indicada, pois a chance de recanalização é baixa.
- Triagem de varizes: Recomenda-se rastrear varizes esofágicas (ou outras varizes do trato digestivo) e considerar profilaxia com betabloqueadores não seletivos, mas sem retardar o início da anticoagulação em casos necessários.
- Escolha do anticoagulante: Antagonistas de vitamina K (AVK), heparina de baixo peso molecular (HBPM) e anticoagulantes orais diretos (DOACs) podem ser utilizados conforme o perfil clínico e de acordo com a classe Child-Turcotte-Pugh (CTP). DOACs têm posologia mais simples, mas devem ser usados com cautela em CTP B e evitados em CTP C.
- Duração da anticoagulação: Recomenda-se avaliar resposta à terapia por TC ou RM a cada 3 meses. Se houver regressão, manter a anticoagulação até o transplante ou até resolução do trombo em pacientes que não serão transplantados. Se não houver resposta após 6 meses, a continuidade do tratamento pode ser reavaliada.
- Intervenção endovascular: A revascularização portal via TIPS (transjugular intrahepatic portosystemic shunt) pode ser considerada em pacientes com cirrose e TVP que já apresentem indicação para TIPS (por exemplo, ascite refratária ou sangramento varicoso), bem como em candidatos a transplante nos quais a recanalização facilite a viabilidade cirúrgica.
Conclusão: O manejo da TVP em pacientes cirróticos requer análise individualizada, levando em conta a extensão do trombo, o risco de sangramento, a presença de isquemia e a possibilidade de transplante hepático. Essas recomendações auxiliam na tomada de decisão clínica e enfatizam a importância de identificar precocemente trombos extensos, considerando-se o uso criterioso de anticoagulação e eventuais procedimentos intervencionistas.
Referência:
Davis JPE, Lim JK, Francis FF, Ahn J. AGA Clinical Practice Update on Management of Portal Vein Thrombosis in Patients With Cirrhosis: Expert Review. Gastroenterology. 2024. doi: http://doi.org/10.1053/j.gastro.2024.10.038
Uso de Telemedicina em Clínicas de Atenção Primária e Relação com Serviços de Baixo Valor em Idosos no Medicare
3 Jan, 2025 | 09:30hEste estudo observacional, conduzido com dados de beneficiários do Medicare no estado de Michigan (EUA), investigou se a maior adoção de telemedicina por clínicas de atenção primária estaria associada à realização de serviços considerados de baixo valor. A iniciativa partiu da rápida expansão da telemedicina nos últimos anos, gerando incertezas sobre sua repercussão na qualidade do cuidado, especialmente sobre a possibilidade de estimular procedimentos desnecessários.
O objetivo principal foi verificar a variação na frequência de oito serviços de baixo valor, distribuídos em quatro categorias (serviços de consultório, laboratoriais, de imagem e mistos), comparando práticas com diferentes níveis de uso de telemedicina (baixo, médio e alto).
O estudo adotou desenho retrospectivo de coorte, analisando dados de 577 928 beneficiários do Medicare ao longo do período de 2019 a 2022. Foram realizadas comparações entre os anos pré-pandemia (2019) e pós-pandemia (2022), ajustando para características das práticas (por exemplo, idade e perfil clínico dos beneficiários, localização em área rural ou urbana).
Os resultados indicaram que o uso elevado de telemedicina se associou a menores taxas de alguns serviços de baixo valor realizados no próprio consultório: houve redução de testes de rastreamento de câncer de colo de útero em mulheres acima de 65 anos e menor solicitação de alguns exames de função tireoidiana considerados desnecessários. Para outros exames de laboratório e de imagem, não foram constatadas alterações significativas relacionadas ao uso de telemedicina.
Em conclusão, o maior número de atendimentos virtuais parece não ter levado a um acréscimo nos serviços potencialmente desnecessários. Pelo contrário, houve indícios de que a telemedicina pode reduzir certos procedimentos de baixo valor que exigem presença física. Ainda assim, devem-se manter cautela e monitoramento constantes, pois a telemedicina pode ter impactos diferentes dependendo do tipo de serviço ou do perfil do paciente.
Nas implicações para a prática, recomenda-se que os sistemas de saúde e formuladores de políticas analisem com cautela a implementação da telemedicina, dando atenção especial para evitar a substituição de atendimentos que exijam presença física e para garantir que exames ou intervenções essenciais sejam preservados. A adoção de protocolos clínicos claros, o uso criterioso de exames complementares e o treinamento adequado das equipes podem mitigar riscos de uso inadequado ou excessivo.
Quanto aos pontos fortes, salienta-se o amplo volume de dados e o enfoque em métricas já validadas de baixo valor, o que confere robustez ao trabalho. Porém, limitações incluem a restrição do cenário (Michigan) e a impossibilidade de avaliar todos os serviços de baixo valor ou de investigar resultados clínicos individuais em profundidade.
Para pesquisas futuras, recomenda-se explorar outras populações e incluir serviços farmacológicos considerados de baixo valor, além de acompanhar se a expansão da telemedicina se mantém e como ela afeta, ao mesmo tempo, serviços de alto e baixo valor.
Referência
Liu T, Zhu Z, Thompson MP, et al. Primary Care Practice Telehealth Use and Low-Value Care Services. JAMA Network Open. 2024;7(11):e2445436. DOI: http://doi.org/10.1001/jamanetworkopen.2024.45436
Estudo Randomizado: Clortalidona vs Hidroclorotiazida e Resultados Renais em Pacientes com Hipertensão
3 Jan, 2025 | 09:00hEste estudo, parte do Diuretic Comparison Project (DCP), investigou se a chlortalidona seria superior à hidroclorotiazida na prevenção de desfechos renais em pacientes de 65 anos ou mais com hipertensão. A comparação entre essas duas medicações é relevante pois ambas são frequentemente prescritas em situações de hipertensão, principalmente quando há preocupação com risco de complicações renais.
O objetivo central foi analisar se a chlortalidona reduziria a progressão da doença renal crônica (DRC), definida como duplicação do nível de creatinina sérica, taxa de filtração glomerular estimada (eGFR) menor que 15 mL/min ou necessidade de diálise, em comparação com a hidroclorotiazida. O estudo, de caráter pragmático, recrutou veteranos atendidos em unidades do Veterans Affairs (VA) nos Estados Unidos e randomizou pacientes já em uso de hidroclorotiazida (25 ou 50 mg/dia) para continuar com a mesma medicação ou mudar para chlortalidona (12,5 ou 25 mg/dia). Assim, a dose de 12,5 a 25 mg de chlortalidona foi considerada equivalente ao uso de 25 a 50 mg de hidroclorotiazida.
Dos 13 523 participantes, 12 265 apresentavam dados laboratoriais completos e foram acompanhados em média por 3,9 anos. Os resultados mostraram que a chlortalidona não foi superior à hidroclorotiazida em termos de proteção renal, tanto para a definição primária de progressão de DRC quanto em desfechos secundários, incluindo queda de 40% na eGFR, incidência de nova DRC e hospitalizações por lesão renal aguda. Em contrapartida, a chlortalidona esteve associada a maior risco de hipocalemia, embora a diferença absoluta tenha sido relativamente pequena.
Implicações para a Prática
Do ponto de vista clínico, os achados indicam que ambas as medicações podem ser usadas com confiança para o controle da hipertensão em adultos mais velhos, sem evidência de prejuízo adicional ao rim ao se optar por chlortalidona em vez de hidroclorotiazida. Porém, é fundamental acompanhar com atenção o risco aumentado de hipocalemia no grupo da chlortalidona, possivelmente ajustando doses ou associando suplementos de potássio quando necessário. Vale ressaltar que a comparação utilizou doses farmacologicamente equivalentes: 12,5 a 25 mg/dia de chlortalidona equivale a 25 a 50 mg/dia de hidroclorotiazida. Esse detalhe reforça a necessidade de se considerar equivalências de dose ao trocar uma medicação pela outra, bem como monitorar a resposta de cada paciente.
Entre os pontos fortes do estudo, destaca-se o desenho pragmático, que reflete melhor a prática clínica real. Já como limitações, a maioria dos pacientes já fazia uso de hidroclorotiazida antes, o que pode ter influenciado a tolerabilidade relatada. Além disso, os exames laboratoriais de acompanhamento seguiram a rotina clínica habitual, e não um protocolo padronizado.
Pesquisas Futuras
Futuros trabalhos poderiam explorar o uso de chlortalidona em pacientes com DRC mais avançada, bem como a adoção de estratégias de combinação com diuréticos poupadores de potássio. Outros subgrupos, como indivíduos com hiperaldosteronismo ou diabetes mais grave, também merecem investigação para delimitar melhor a segurança e efetividade de cada diurético.
Referência
Ishani A, Hau C, Raju S, et al. “Chlorthalidone vs Hydrochlorothiazide and Kidney Outcomes in Patients With Hypertension: A Secondary Analysis of a Randomized Clinical Trial.” JAMA Netw Open. 2024;7(12):e2449576. DOI: http://doi.org/10.1001/jamanetworkopen.2024.49576
Estudo Prospectivo Multinacional Revela Dissociação Cognitivo-Motora em um em cada Quatro Pacientes sem Resposta Observável a Comandos
3 Jan, 2025 | 08:30hNeste estudo prospectivo realizado em seis centros internacionais, os pesquisadores investigaram a presença de dissociação cognitivo-motora em 353 adultos com distúrbios de consciência, incluindo coma, estado vegetativo e diferentes graus de estado minimamente consciente. O fenômeno, caracterizado pela capacidade de realizar tarefas cognitivas detectáveis por fMRI ou EEG em pacientes sem resposta comportamental aparente, foi identificado em aproximadamente 25% daqueles que, à beira do leito, não apresentavam sinais de resposta a comandos.
O objetivo principal foi determinar a frequência e os fatores associados à dissociação cognitivo-motora, considerando idade, etiologia da lesão e tempo decorrido desde o evento. O estudo partiu do pressuposto de que o uso combinado de fMRI e EEG poderia fornecer dados mais sensíveis do que o uso isolado de cada método.
Os pesquisadores recrutaram participantes de unidades de terapia intensiva, enfermarias, centros de reabilitação e comunidades, excluindo aqueles com histórico prévio de doença neurológica ou psiquiátrica. A avaliação de cada paciente incluiu a aplicação da escala Coma Recovery Scale–Revised (CRS-R), teste comportamental considerado padrão-ouro internacional para diagnóstico de níveis de consciência, e a realização de fMRI e/ou EEG voltados para detecção de respostas a comandos específicos (por exemplo, imaginação motora).
Os resultados mostraram que 60 dos 241 participantes sem resposta observável a comandos apresentaram, na verdade, sinais de engajamento cognitivo nos exames de neuroimagem e/ou eletrofisiologia. A dissociação cognitivo-motora foi mais frequente em indivíduos mais jovens, com tempo maior desde a lesão e, em especial, naqueles com etiologia traumática. Em contrapartida, dos 112 participantes que já demonstravam alguma resposta a comandos na avaliação clínica, apenas 38% apresentaram respostas positivas nas tarefas propostas por fMRI ou EEG, sugerindo que as exigências cognitivas do teste podem ir além do requerido no exame comportamental.
Conclui-se que a dissociação cognitivo-motora pode estar subdiagnosticada quando se empregam apenas métodos clínicos e que, ao combinar fMRI e EEG, é possível detectar mais casos. Esse achado tem implicações práticas relevantes, pois a falta de identificação desse fenômeno pode influenciar decisões relacionadas a metas de cuidado e à manutenção de suporte de vida.
Implicações para a Prática
A detecção da dissociação cognitivo-motora indica a necessidade de cautela antes de concluir que um paciente sem resposta observável é incapaz de vivenciar ou compreender estímulos. A implementação de protocolos combinados de fMRI e EEG em centros especializados pode levar a uma avaliação mais precisa e a abordagens terapêuticas melhor direcionadas.
Pontos Fortes e Limitações
Entre as principais forças do estudo está o caráter multinacional, contemplando diversos cenários clínicos e fases de evolução do paciente. Também se destaca o uso de métodos complementares (fMRI e EEG), o que amplia a sensibilidade para detecção de respostas cognitivas. Entretanto, a heterogeneidade de protocolos locais e de tempo de lesão, além das dificuldades de acesso a tecnologias avançadas, podem limitar a generalização dos resultados para a prática rotineira em outros centros.
Pesquisas Futuras
Novos estudos devem buscar protocolos padronizados para detecção de dissociação cognitivo-motora, avaliar o impacto clínico de seu diagnóstico precoce e investigar se intervenções direcionadas podem melhorar o prognóstico funcional desses pacientes.
Referência
Bodien YG, Allanson J, Cardone P, et al. Cognitive Motor Dissociation in Disorders of Consciousness. N Engl J Med. 2024;391:598-608. DOI: http://doi.org/10.1056/NEJMoa2400645