Revisão de Escopo de Ensaios Controlados Randomizados sobre o Uso de Inteligência Artificial na Prática Clínica
27 Dez, 2024 | 21:08hEste estudo investigou o panorama dos ensaios controlados randomizados (ECRs) que avaliam sistemas de Inteligência Artificial (IA) em aplicação clínica. A motivação para a pesquisa decorre do crescente número de algoritmos de IA que têm mostrado bom desempenho em testes retrospectivos, porém com evidências ainda limitadas em cenários reais de cuidado ao paciente. O objetivo central foi examinar a distribuição geográfica e por especialidade dos ECRs, suas características metodológicas e o tipo de desfechos medidos, além de discutir implicações clínicas e tendências futuras.
Os autores conduziram uma busca sistemática em bases como PubMed, SCOPUS, CENTRAL e plataformas de registros de ensaios entre janeiro de 2018 e novembro de 2023, período em que modelos avançados de IA ganharam maior relevância. Foram incluídos apenas estudos que efetivamente integrassem algoritmos de IA (baseados em computação não linear) na condução do cuidado ao paciente. Também foram excluídos trabalhos envolvendo apenas modelos lineares, estudos secundários ou aqueles que não apresentaram resultados em texto completo revisado por pares. Após seleção e análise detalhada, 86 ECRs atenderam aos critérios de inclusão.
Os resultados mostraram que a maioria dos ECRs ocorreu em centro único (63%) e se concentrou em especialidades como Gastroenterologia e Radiologia, em particular no uso de IA para análise de imagens ou vídeos (especialmente endoscopia). Dois países lideram o cenário: EUA e China. Cerca de 81% dos ECRs relataram resultados primários positivos, evidenciando principalmente melhorias em métricas de desempenho diagnóstico (taxa de detecção, acurácia etc.), além de efeitos promissores no manejo clínico, adesão do paciente a tratamentos e eficiência de tomadas de decisão. Entretanto, parcela relevante dos estudos não descreveu em profundidade dados demográficos de raça e etnia, o que limita a generalização. Além disso, 60% dos ECRs avaliaram tempos de operação clínica, com achados heterogêneos: alguns estudos apontaram redução no tempo de procedimento, enquanto outros sugeriram aumento ou ausência de mudança significativa.
As conclusões indicam que, embora a IA apresente benefícios potenciais em múltiplos cenários, ainda há incertezas quanto à representatividade dos estudos (principalmente por serem, em grande parte, de centro único) e à aplicabilidade no mundo real. Publicações tendem a enfatizar desfechos de desempenho diagnóstico, mas a real relevância clínica pode requerer estudos mais amplos, multicêntricos e com desfechos mais voltados ao paciente, como qualidade de vida e sobrevida.
Em termos de implicações para a prática, as tecnologias de IA parecem prontas para contribuir no suporte a decisões clínicas e aprimorar alguns desfechos imediatos, sobretudo em Gastroenterologia e Radiologia. Contudo, os profissionais devem manter cautela antes de adotar amplamente tais sistemas, dada a escassez de dados robustos sobre impacto em longo prazo e diversidade populacional. Além disso, a implementação de ferramentas de IA exige infraestrutura tecnológica, treinamento adequado e vigilância contínua para evitar possíveis erros e desigualdades no atendimento.
Entre os pontos fortes do estudo destacam-se a atualização de dados até o fim de 2023 e a inclusão de novos critérios que exigem intervenções efetivamente integradas ao cuidado. Já as limitações incluem a predominância de pesquisas realizadas em único país ou único centro, com notável falta de diversidade populacional. Também chama atenção a possibilidade de viés de publicação, dado que muitas pesquisas negativas ou inconclusivas podem não ter sido publicadas.
Pesquisas futuras devem priorizar ensaios multicêntricos com amostras mais heterogêneas e desfechos centrados no paciente para melhor captar o impacto clínico real. Também se faz necessária maior adesão a diretrizes de relato como o CONSORT-AI, visando garantir transparência metodológica e facilitar a comparação entre estudos.
Referência: Han R, Acosta JN, Shakeri Z, Ioannidis JPA, Topol EJ, Rajpurkar P, et al. Randomised controlled trials evaluating artificial intelligence in clinical practice: a scoping review. The Lancet Digital Health. 2024;6(5). DOI: http://doi.org/10.1016/S2589-7500(24)00047-5