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Arquivos do dia: Janeiro 6, 2025

Diagnóstico e Manejo da Esofagite Eosinofílica: Diretriz Clínica do ACG

6 Jan, 2025 | 13:00h

Introdução: A esofagite eosinofílica (EoE) é uma doença inflamatória crônica do esôfago, mediada por processo imunológico e desencadeada na maioria das vezes por alérgenos alimentares e aeroalérgenos. Caracteriza-se por sintomas de disfunção esofágica – como disfagia e impactação alimentar – associados a um infiltrado eosinofílico significativo (≥15 eosinófilos por campo de grande aumento) na biópsia esofágica. Esta diretriz atualizada do American College of Gastroenterology (ACG) aborda aspectos de diagnóstico, tratamento, monitoramento e recomendações específicas para populações pediátricas e adultas, adotando a metodologia GRADE para embasar as recomendações.

Principais Recomendações:

Diagnóstico e Avaliação Inicial:

  • Confirmar EoE pela presença de sintomas de disfunção esofágica (por exemplo, disfagia, recusa alimentar em crianças) e contagem de pelo menos 15 eosinófilos por campo de grande aumento na biópsia.
  • Excluir outras causas de eosinofilia esofágica, como doenças infecciosas ou gastroesofágicas não relacionadas.
  • Empregar sistema de pontuação endoscópica (EREFS) para avaliar edema, anéis, exsudatos, sulcos, constrições e estreitamentos. Obter pelo menos 6 biópsias esofágicas de diferentes níveis (proximal/distal) para maximizar a sensibilidade diagnóstica. Utilizar o sistema EREFS em todas as endoscopias para EoE.

Inibidores de Bomba de Prótons (IBPs):

  • São opção terapêutica de primeira linha para EoE. Doses altas, correspondentes ao dobro da dose usual para refluxo (p. ex. omeprazol 40 mg duas vezes ao dia), podem ser utilizadas, em especial em esquemas de dose diária ou dividida, a depender da adesão do paciente. Os IBPs podem atuar por mecanismos que vão além da supressão ácida.
  • Manter vigilância de potenciais efeitos adversos, embora seu perfil de segurança seja favorável.

Corticosteroides Tópicos (CTs):

  • Recomendam-se preparações de budesonida (formulações aprovadas para EoE, como suspensões orais viscosas ou comprimidos orodispersíveis) ou fluticasona (em aerossol ou formulações para deglutição) para reduzir inflamação esofágica.
  • Ambas demonstram boa eficácia histológica e endoscópica, além de melhorar sintomas de disfagia em crianças e adultos.
  • O efeito adverso mais comum é candidíase orofaríngea ou esofágica, geralmente assintomática e controlável.

Dietas de Eliminação (FEDs):

  • Dietas empíricas, como a dieta de exclusão de 1 a 6 alimentos, podem induzir remissão em cerca de 50-60% (1 alimento – leite de vaca), 40-50% (4 alimentos) e 50-70% (6 alimentos) dos casos, sendo mais restritivas (6 alimentos) geralmente mais eficazes, porém menos práticas. A dieta de exclusão de 1 alimento (leite de vaca) pode ser considerada como opção terapêutica inicial, apesar de menos estudada que as demais.
  • A reintrodução gradual dos alimentos é fundamental para identificar o(s) gatilho(s). O acompanhamento com nutricionista é fortemente recomendado para monitorar o estado nutricional, especialmente em crianças.

Biológicos:

  • Dupilumabe (anti-IL-4Rα) está aprovado para pacientes ≥12 anos e também para crianças de 1 a 11 anos com EoE que não respondam a IBPs; demonstra boa eficácia endoscópica, histológica e de melhora de sintomas. É administrado por via subcutânea, semanalmente (≥ 12 anos) ou a cada duas semanas (1-11 anos, com doses ajustadas pelo peso).
  • Outras terapias biológicas (anti-IL-13, anti-IL-5, anti-IgE) ainda não apresentam evidências suficientes para recomendação formal.

Dilatação Esofágica:

  • Indicada como tratamento adjunto em pacientes com estreitamentos ou anéis fibrosos que causem disfagia refratária.
  • Procedimento seguro e eficaz; o risco de perfuração é baixo. Deve ser preferencialmente combinado ao controle inflamatório, pois trata apenas o aspecto fibroestenótico da doença.

Manutenção e Monitoramento:

  • A manutenção de terapia efetiva (seja farmacológica ou dietética) é recomendada para todos os pacientes para evitar recorrência de inflamação, risco de complicações e progressão fibroestenótica.
  • A avaliação periódica deve incluir sintomas, endoscopia com biópsias e, em alguns casos, métodos complementares (ex.: EndoFLIP). A adesão e a resposta ao tratamento devem ser continuamente avaliadas.
  • Em crianças, atentar-se ao crescimento e ao desenvolvimento de habilidades alimentares, com suporte de nutricionistas e/ou terapeutas ocupacionais especializados, se necessário.

Conclusão: A EoE é uma doença crônica, de caráter recidivante, que requer abordagem multidisciplinar para diagnóstico e manejo eficaz. O tratamento visa controlar a inflamação e prevenir a progressão fibroestenótica, mantendo ou melhorando a qualidade de vida do paciente. IBPs, CTs, FEDs e dupilumabe são opções válidas, devendo-se considerar preferências do paciente/família e a disponibilidade de recursos.

Referência: Dellon ES, Muir AB, Katzka DA, Shah SC, Sauer BG, Aceves SS, Furuta GT, Gonsalves N, Hirano I. ACG Clinical Guideline: Diagnosis and Management of Eosinophilic Esophagitis. The American Journal of Gastroenterology. 2025 Jan;120(1):31-59. DOI: https://doi.org/10.14309/ajg.0000000000003194


Anticoagulação em Pacientes Hospitalizados com COVID-19: Dose Terapêutica Reduz Mortalidade em 28 Dias

6 Jan, 2025 | 12:00h

Este amplo estudo multicêntrico avaliou a eficácia e a segurança de doses mais elevadas de anticoagulantes (principalmente heparinas) em comparação a doses mais baixas em pacientes hospitalizados por COVID-19. A motivação inicial veio da observação de altas taxas de trombose nessa população, associadas a quadros inflamatórios intensos. Assim, o objetivo principal foi comparar o efeito de diferentes doses de anticoagulantes (terapêutica, intermediária ou profilática) na mortalidade em 28 dias.

No total, foram incluídos 22 ensaios clínicos randomizados (principalmente com heparinas de baixo peso molecular ou heparina não fracionada), abrangendo mais de 11 mil pacientes. A maior parte comparou dose terapêutica versus dose profilática, enquanto alguns estudos adicionaram o braço intermediário. A avaliação metodológica foi feita com base no protocolo pré-registrado, e os resultados foram analisados de forma prospectiva, com dados detalhados fornecidos pelos próprios pesquisadores.

Os resultados indicaram que a anticoagulação em dose terapêutica, comparada à dose profilática, reduziu a mortalidade em 28 dias (OR 0.77; IC 95%, 0.64-0.93) em pacientes que, em sua maioria, recebiam pouco ou nenhum suporte de oxigênio no momento da randomização. Na comparação entre doses terapêuticas e intermediárias, observou-se um aumento não estatisticamente significativo na mortalidade no grupo da dose terapêutica (OR 1.21; IC 95% 0.93-1.58). Já a dose intermediária, quando comparada à profilática, não apresentou diferença significativa na mortalidade (OR 0.95; IC 95% 0.76-1.19). Em todas as comparações, observou-se que a dose mais elevada reduzia eventos tromboembólicos (por exemplo, OR 0.48 na comparação entre dose terapêutica e profilática), porém aumentava o risco de sangramentos maiores (OR 1.90 na mesma comparação). A influência do nível de suporte ventilatório (nenhum/baixo fluxo vs. suporte avançado) não se mostrou robusta para alterar substancialmente os achados, embora algumas análises tenham sido limitadas pelo número de pacientes em cada subgrupo.

Do ponto de vista clínico, a conclusão geral sugere possível benefício da anticoagulação em dose terapêutica para pacientes hospitalizados com COVID-19 que não estejam em ventilação mecânica invasiva ou em estados mais críticos de suporte respiratório. Contudo, a decisão deve ser ponderada pelo maior risco de sangramento. Segundo comentário editorial publicado na mesma revista (DOI: https://doi.org/10.7326/ANNALS-24-03244), ainda existem incertezas sobre a real aplicabilidade desses achados nos estágios mais atuais da pandemia, devido a mudanças nas variantes do vírus e ao surgimento de novas formas de tratamento.

Implicações para a Prática

Os resultados apoiam a adoção mais criteriosa de doses terapêuticas em pacientes não críticos, atentando ao risco de sangramento e ao perfil de gravidade. Para casos que envolvem ventilação mecânica invasiva ou estado crítico, não houve evidência robusta de benefício com doses terapêuticas em relação às intermediárias ou profiláticas.

Pontos Fortes e Limitações

Entre os pontos fortes, destacam-se a análise prospectiva e a inclusão de diversos ensaios, cobrindo diferentes cenários de COVID-19. Como limitação, as comparações envolveram populações com graus distintos de gravidade e, embora tenha havido uma padronização razoável, houve alguma variação nas doses utilizadas nos grupos controle. Além disso, a evolução da pandemia e o surgimento de novas variantes podem reduzir a validade externa para o momento atual.

Pesquisas Futuras

Investigações adicionais são necessárias para delimitar com mais precisão quais subgrupos (por exemplo, níveis de D-dímero, comorbidades ou perfis inflamatórios) podem se beneficiar mais da dose terapêutica, e qual o melhor momento de iniciar ou descontinuar o tratamento.

Referência: The WHO Rapid Evidence Appraisal for COVID-19 Therapies (REACT) Working Group. Anticoagulation Among Patients Hospitalized for COVID-19: A Systematic Review and Prospective Meta-analysis. Annals of Internal Medicine. DOI: https://doi.org/10.7326/ANNALS-24-00800

Editorial: Shappell CN, Anesi GL. Anticoagulation for COVID-19: Seeking Clarity and Finding Yet More Gray. Annals of Internal Medicine. DOI: https://doi.org/10.7326/ANNALS-24-03244


Suporte Nutricional em Pacientes em UTI: Perspectivas Atuais e Recomendações

6 Jan, 2025 | 11:00h

Introdução: Este texto resume um artigo de revisão sobre suporte nutricional em pacientes críticos, publicado no BMJ em 2025. A revisão discute a importância de individualizar a nutrição durante a internação em UTI, considerando a fase aguda e a fase de recuperação do paciente. O estado crítico leva a catabolismo acentuado, perda muscular e fraqueza persistente, ressaltando a relevância de estratégias nutricionais bem definidas. Entretanto, pesquisas recentes questionam a prática tradicional de fornecer altos níveis de calorias e proteínas precocemente. Também se enfatiza que, embora a nutrição seja essencial, somente a terapia nutricional pode não ser suficiente para reverter completamente a perda muscular e promover recuperação funcional.

Principais Recomendações:

  1. Abordagem Individualizada: Avaliar riscos nutricionais e fases da doença para definir a quantidade de calorias e proteínas. Evidências recentes sugerem benefícios de restrição moderada de calorias e proteínas na fase aguda do choque ou falência de múltiplos órgãos.
  2. Rotas de Alimentação: Dar preferência à nutrição enteral em pacientes sem contraindicações gastrointestinais claras. A nutrição parenteral pode ser usada quando o trato gastrointestinal não estiver funcional ou houver necessidade prolongada de suporte.
  3. Dose de Macronutrientes: Evitar superalimentação na primeira semana de doença crítica, especialmente quando há instabilidade hemodinâmica ou evidências de hipercatabolismo. Estudos grandes e recentes não mostraram vantagem de atingir metas altas de calorias ou proteínas muito cedo.
  4. Micronutrientes e “Farmaconutrientes”: Suplementações específicas (por exemplo, glutamina, antioxidantes, vitaminas e oligoelementos) não demonstraram benefícios claros em estudos robustos. A reposição deve seguir as recomendações diárias usuais, levando em conta perdas adicionais (por exemplo, diálise contínua).
  5. Monitoramento e Ajuste: Ferramentas de triagem como NUTRIC ou NRS-2002 podem ajudar na avaliação de risco, mas ainda faltam biomarcadores confiáveis para guiar decisões durante cada fase da doença. A supervisão de uma equipe multiprofissional (médicos, enfermeiros, nutricionistas e fisioterapeutas) otimiza a implementação e continuidade do plano nutricional.
  6. Reabilitação Focada: Combinar a nutrição com fisioterapia e outras abordagens de reabilitação, estendendo-se após a alta da UTI, pode melhorar a qualidade de vida, a função física e o retorno às atividades habituais no longo prazo.

Conclusão: O suporte nutricional é fundamental no tratamento do paciente criticamente enfermo, mas sua implementação deve ser dinâmica, ajustada ao momento clínico. Evidências atuais indicam que uma oferta mais cautelosa de calorias e proteínas nos primeiros dias, seguida de progressão gradual conforme o paciente se estabiliza, pode reduzir complicações e acelerar a recuperação. Pesquisas futuras devem enfocar marcadores de catabolismo e anabolismo, estratégias personalizadas de alimentação e a integração entre nutrição e reabilitação para melhorar a evolução funcional e a qualidade de vida.

Referência: Reignier J, Rice TW, Arabi YM, Casaer M. Nutritional Support in the ICU. BMJ. 2025;388:e077979. Disponível em: https://doi.org/10.1136/bmj-2023-077979

 


Câncer de Colo do Útero: Rastreamento, Tratamento e Perspectivas Futuras

6 Jan, 2025 | 10:00h

Introdução: O presente texto resume uma revisão abrangente acerca do câncer de colo do útero, abordando sua epidemiologia, fatores de risco, diagnóstico, estadiamento e tratamentos atuais. O objetivo principal é fornecer recomendações baseadas em evidências para a prevenção, detecção e manejo dessa neoplasia, considerando tanto estratégias de saúde pública quanto abordagens terapêuticas personalizadas.

Principais Recomendações:

  1. Prevenção e Rastreamento:
    • Vacinação contra HPV antes da exposição ao vírus, particularmente em adolescentes.
    • Rastreamento regular por meio de teste de Papanicolaou e/ou teste de HPV de alto risco, seguindo as diretrizes atuais.
    • Utilizar colposcopia e biópsias direcionadas quando houver alterações anormais nos exames de rastreamento.
  2. Abordagem de Doença Inicial (Estádios IA a IB2):
    • Histerectomia radical com linfadenectomia pélvica, com opção de preservação ovariana para possíveis benefícios hormonais.
    • Em casos específicos de tumores pequenos (menores que 2 cm) e margens livres, pode-se optar por cirurgia mais conservadora (histerectomia simples ou conização, conforme o caso).
    • Para pacientes que desejam manter fertilidade, considerar traquelectomia radical com cerclagem, associada à avaliação linfonodal (em situações bem selecionadas).
  3. Tratamento de Doença Localmente Avançada (Estádios IB3 a IVA):
    • Quimiorradioterapia combinada (radioterapia externa + braquiterapia) com cisplatina semanal como agente radiossensibilizante.
    • Avaliar incorporação de imunoterapia (pembrolizumabe) em estádios mais avançados (III a IVA), conforme orientações recentes.
    • Conservar intervalos de tratamento adequados (idealmente até 45 dias) para maximizar a eficácia do regime.
  4. Recorrência Central e Exenteração Pélvica:
    • Pacientes com recorrência central isolada podem se beneficiar de exenteração pélvica, após avaliação cuidadosa de metástases à distância.
    • O procedimento consiste na remoção en bloc dos órgãos pélvicos (útero, colo, bexiga e reto, em geral), com reconstruções específicas.
  5. Doença Metastática ou Recorrente (Primeira e Segunda Linhas):
    • Quimioterapia com cisplatina ou carboplatina em combinação com paclitaxel, associando bevacizumabe quando indicado.
    • Para tumores PD-L1–positivos, considerar adição de imunoterapia (por exemplo, pembrolizumabe).
    • Casos refratários podem ser tratados com anticorpos conjugados (por exemplo, tisotumab vedotin ou trastuzumabe deruxtecano, dependendo de biomarcadores).

Conclusão: A adoção de estratégias de vacinação, rastreamento adequado e acesso a tratamentos modernos pode reduzir substancialmente a incidência e a mortalidade por câncer de colo do útero. O manejo atual envolve tratamentos individualizados, considerando cirurgia, quimiorradioterapia, imunoterapia e novas terapias-alvo. A incorporação de diretrizes globais e a priorização de políticas públicas podem levar à erradicação dessa neoplasia como problema de saúde pública.

Referência:
Tewari KS. Cervical Cancer. New England Journal of Medicine. (2025); Link: https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMra2404457

 


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