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Estudo de coorte retrospectivo: Uso de medicamentos para pressão arterial sob demanda e risco aumentado de lesão renal aguda e outros desfechos adversos em pacientes internados em hospitais do VA
8 Dez, 2024 | 18:36hContexto: Pressões arteriais elevadas e assintomáticas são frequentes no ambiente hospitalar e muitas vezes tratadas com medicamentos para pressão arterial sob demanda (tanto de uso recorrente quanto em dose única). Há preocupação de que essa prática possa levar a reduções rápidas e potencialmente perigosas da pressão arterial, particularmente em pacientes mais idosos ou com doenças cardiovasculares, resultando em eventos isquêmicos, como lesão renal aguda (LRA).
Objetivo: Avaliar se o uso de medicações anti-hipertensivas “sob demanda” para tratar elevações assintomáticas da pressão arterial em pacientes internados em hospitais do Sistema de Saúde dos Veteranos (VA) está associado a um risco aumentado de LRA e outros eventos adversos.
Métodos: Estudo de coorte retrospectivo conduzido por emulação de um ensaio clínico alvo, com escore de propensão para pareamento. Foram incluídos veteranos adultos hospitalizados por 3 ou mais dias em enfermarias não-intensivas do VA entre 1º de outubro de 2015 e 30 de setembro de 2020, sem cirurgia durante a internação, que já usavam ao menos um anti-hipertensivo regular nas primeiras 24 horas e apresentaram pelo menos uma pressão arterial sistólica >140 mmHg. Foram comparados pacientes que receberam medicações anti-hipertensivas sob demanda com aqueles que não receberam, analisando LRA, redução rápida da pressão arterial e um desfecho composto (infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral ou óbito).
Resultados: Foram analisados 133.760 veteranos (média de idade de 71,2 anos; 96% homens). Entre eles, 21% receberam medicação sob demanda. O uso sob demanda foi associado a um risco 23% maior de LRA (HR=1,23; IC95% 1,18-1,29). O risco foi mais pronunciado com medicação intravenosa (HR=1,64) do que oral (HR=1,17). Além disso, houve aumento de eventos adversos, incluindo queda rápida da pressão arterial (aumento de 50% no risco em 3 horas) e maior taxa do desfecho composto (RR=1,69).
Conclusões: O uso de medicações anti-hipertensivas sob demanda em pacientes hospitalizados sem indicação clara de redução aguda da pressão arterial foi associado a aumento de LRA, quedas rápidas da pressão arterial e maior risco de infarto, AVC e morte. Esses achados sugerem necessidade de estudos prospectivos para avaliar o real balanço entre riscos e benefícios desta prática.
Implicações para a Prática: Os resultados levantam questionamentos sobre o uso rotineiro de medicações anti-hipertensivas sob demanda para tratar elevações pressóricas assintomáticas. Dado o potencial de dano, os clínicos devem avaliar cautelosamente a indicação dessa abordagem e considerar medidas não-farmacológicas ou observação antes de optar por intervenções farmacológicas.
Forças e Limitações do Estudo: Pontos fortes incluem o grande tamanho amostral, representatividade nacional e ajuste rigoroso para minimizar confundimento. Limitações incluem a natureza retrospectiva e possibilidade de fatores não mensurados. Embora o estudo não possa estabelecer causalidade, os resultados são robustos e sustentados por análises de sensibilidade.
Pesquisas Futuras: Ensaios clínicos prospectivos são necessários para determinar se a eliminação ou moderação do uso de medicamentos sob demanda para hipertensão assintomática reduz eventos isquêmicos. Pesquisas adicionais podem explorar subgrupos, incluindo cirúrgicos e populações não-veteranas.
Estudo Clínico Randomizado Controlado: Intervenção Percutânea com Implante Transcateter de Válvula Aórtica (TAVI) guiada por Reserva de Fluxo Fracionada (FFR) versus Tratamento Cirúrgico Convencional (SAVR + CABG) em Estenose Aórtica Grave e Doença Coronariana Complexa
8 Dez, 2024 | 18:25hContexto: A estenose aórtica grave frequentemente coexiste com doença arterial coronariana obstrutiva complexa ou multivascular. A estratégia padrão recomendada pelas diretrizes consiste na substituição valvar aórtica cirúrgica (SAVR) combinada ao bypass coronariano (CABG). Entretanto, o implante transcateter de válvula aórtica (TAVI), associado ao uso de intervenção coronariana percutânea (ICP) guiada por reserva de fluxo fracionada (FFR), surge como uma alternativa menos invasiva e potencialmente segura. Este estudo teve como base a hipótese de que o tratamento percutâneo (TAVI + ICP guiada por FFR) não seria inferior ao tratamento cirúrgico convencional (SAVR + CABG) em pacientes com estenose aórtica grave e doença coronariana complexa.
Objetivo: Avaliar a não-inferioridade e, se demonstrada, a superioridade do TAVI + ICP guiada por FFR em comparação ao SAVR + CABG quanto a desfechos clínicos compostos em um ano, em pacientes com estenose aórtica grave e doença coronariana complexa.
Métodos: Este foi um ensaio clínico internacional, multicêntrico, prospectivo, aberto, randomizado (1:1), conduzido em 18 centros terciários na Europa. Participaram pacientes com ≥70 anos e estenose aórtica grave acompanhada de doença coronariana complexa passíveis de tratamento tanto percutâneo quanto cirúrgico, conforme avaliação do Heart Team. Os pacientes foram alocados para TAVI com válvulas autoexpansíveis (Evolut R ou Evolut PRO), associada à ICP guiada por FFR, ou para tratamento cirúrgico convencional SAVR + CABG. O desfecho primário foi um composto de mortalidade por todas as causas, infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral incapacitante, revascularização guiada por sintomas, reintervenção valvar e sangramento com risco à vida ou incapacitante após 1 ano. A análise principal seguiu o princípio de intenção de tratar.
Resultados: Foram incluídos 172 pacientes entre 2018 e 2023 (91 no grupo ICP-FFR+TAVI e 81 no grupo SAVR+CABG). O ponto final primário ocorreu em 4% dos pacientes no grupo ICP-FFR+TAVI versus 23% no grupo SAVR+CABG (diferença do risco: –18,5%; IC90%: –27,8 a –9,7%; p<0,001 para não-inferioridade; p<0,001 para superioridade). A mortalidade por todas as causas foi 0% no grupo percutâneo contra 10% no grupo cirúrgico (p=0,0025). Houve também redução significativa de sangramentos com risco à vida no grupo ICP-FFR+TAVI. Esses achados foram sustentados pelas análises por protocolo e as-treated.
Conclusões: Em pacientes com estenose aórtica grave e doença coronariana complexa, a estratégia percutânea (ICP guiada por FFR + TAVI) mostrou-se não inferior e, na verdade, superior ao tratamento cirúrgico padrão (SAVR + CABG) no prazo de um ano, principalmente devido à redução da mortalidade e de sangramentos graves.
Implicações para a Prática: Os resultados deste estudo sugerem que, para pacientes cuidadosamente selecionados, a abordagem percutânea pode ser considerada uma alternativa viável e possivelmente preferível ao tratamento cirúrgico tradicional, especialmente frente ao menor risco de mortalidade e sangramentos graves. No entanto, diante desta ser a primeira evidência do tipo, a prudência é recomendada antes da adoção rotineira desta estratégia.
Pontos Fortes e Limitações do Estudo: Pontos fortes incluem o delineamento randomizado, multicêntrico e prospectivo, além da avaliação padronizada de desfechos. Contudo, o estudo foi interrompido precocemente, resultando em um tamanho amostral menor do que o inicialmente previsto, o que demanda cautela na extrapolação dos dados. Além disso, um único tipo de prótese TAVI foi utilizado, o que limita a generalização. A utilização do FFR no contexto da estenose aórtica requer interpretação cuidadosa.
Pesquisas Futuras: Estudos maiores, com maior tempo de seguimento e envolvendo diferentes próteses e abordagens de imagem, são necessários para confirmar e estender estes achados, bem como melhor definir quais subgrupos de pacientes se beneficiariam mais dessa estratégia percutânea.