Estudo Clínico Randomizado Controlado: Intervenção Percutânea com Implante Transcateter de Válvula Aórtica (TAVI) guiada por Reserva de Fluxo Fracionada (FFR) versus Tratamento Cirúrgico Convencional (SAVR + CABG) em Estenose Aórtica Grave e Doença Coronariana Complexa
8 Dez, 2024 | 18:25hContexto: A estenose aórtica grave frequentemente coexiste com doença arterial coronariana obstrutiva complexa ou multivascular. A estratégia padrão recomendada pelas diretrizes consiste na substituição valvar aórtica cirúrgica (SAVR) combinada ao bypass coronariano (CABG). Entretanto, o implante transcateter de válvula aórtica (TAVI), associado ao uso de intervenção coronariana percutânea (ICP) guiada por reserva de fluxo fracionada (FFR), surge como uma alternativa menos invasiva e potencialmente segura. Este estudo teve como base a hipótese de que o tratamento percutâneo (TAVI + ICP guiada por FFR) não seria inferior ao tratamento cirúrgico convencional (SAVR + CABG) em pacientes com estenose aórtica grave e doença coronariana complexa.
Objetivo: Avaliar a não-inferioridade e, se demonstrada, a superioridade do TAVI + ICP guiada por FFR em comparação ao SAVR + CABG quanto a desfechos clínicos compostos em um ano, em pacientes com estenose aórtica grave e doença coronariana complexa.
Métodos: Este foi um ensaio clínico internacional, multicêntrico, prospectivo, aberto, randomizado (1:1), conduzido em 18 centros terciários na Europa. Participaram pacientes com ≥70 anos e estenose aórtica grave acompanhada de doença coronariana complexa passíveis de tratamento tanto percutâneo quanto cirúrgico, conforme avaliação do Heart Team. Os pacientes foram alocados para TAVI com válvulas autoexpansíveis (Evolut R ou Evolut PRO), associada à ICP guiada por FFR, ou para tratamento cirúrgico convencional SAVR + CABG. O desfecho primário foi um composto de mortalidade por todas as causas, infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral incapacitante, revascularização guiada por sintomas, reintervenção valvar e sangramento com risco à vida ou incapacitante após 1 ano. A análise principal seguiu o princípio de intenção de tratar.
Resultados: Foram incluídos 172 pacientes entre 2018 e 2023 (91 no grupo ICP-FFR+TAVI e 81 no grupo SAVR+CABG). O ponto final primário ocorreu em 4% dos pacientes no grupo ICP-FFR+TAVI versus 23% no grupo SAVR+CABG (diferença do risco: –18,5%; IC90%: –27,8 a –9,7%; p<0,001 para não-inferioridade; p<0,001 para superioridade). A mortalidade por todas as causas foi 0% no grupo percutâneo contra 10% no grupo cirúrgico (p=0,0025). Houve também redução significativa de sangramentos com risco à vida no grupo ICP-FFR+TAVI. Esses achados foram sustentados pelas análises por protocolo e as-treated.
Conclusões: Em pacientes com estenose aórtica grave e doença coronariana complexa, a estratégia percutânea (ICP guiada por FFR + TAVI) mostrou-se não inferior e, na verdade, superior ao tratamento cirúrgico padrão (SAVR + CABG) no prazo de um ano, principalmente devido à redução da mortalidade e de sangramentos graves.
Implicações para a Prática: Os resultados deste estudo sugerem que, para pacientes cuidadosamente selecionados, a abordagem percutânea pode ser considerada uma alternativa viável e possivelmente preferível ao tratamento cirúrgico tradicional, especialmente frente ao menor risco de mortalidade e sangramentos graves. No entanto, diante desta ser a primeira evidência do tipo, a prudência é recomendada antes da adoção rotineira desta estratégia.
Pontos Fortes e Limitações do Estudo: Pontos fortes incluem o delineamento randomizado, multicêntrico e prospectivo, além da avaliação padronizada de desfechos. Contudo, o estudo foi interrompido precocemente, resultando em um tamanho amostral menor do que o inicialmente previsto, o que demanda cautela na extrapolação dos dados. Além disso, um único tipo de prótese TAVI foi utilizado, o que limita a generalização. A utilização do FFR no contexto da estenose aórtica requer interpretação cuidadosa.
Pesquisas Futuras: Estudos maiores, com maior tempo de seguimento e envolvendo diferentes próteses e abordagens de imagem, são necessários para confirmar e estender estes achados, bem como melhor definir quais subgrupos de pacientes se beneficiariam mais dessa estratégia percutânea.